Céus, não lhe disse eu que também nos livros viajam segredos?
Em dia de vento muito frio, lia eu, com a lareira acesa e a crepitar, este curioso
texto. No fim da leitura, chamou-me a atenção um livro (citado na
bibliografia), A chama
de uma vela de Gaston Bachelard; livro que de imediato fui reler. Nas páginas
68 e 69 pode ler-se: "Numa reforma do seu texto, Novalis, tendo à mão os dois sentidos do verbo verzehren (consumir, consumar) indica a passagem, no ato da chama, do determinado ao determinante, do ser satisfeito ao que vive a sua liberdade. Um ser se torna livre se consumindo para se renovar, dando-se assim o destino de uma chama, acolhendo principalmente o destino de uma sobrechama que vem brilhar acima da sua ponta. Mas, antes de filosofar, talvez seja preciso rever; talvez, pela falta de revisão, seja preciso reimaginar esse raro fenómeno da lareira, quando a chama tranquila afasta de seu ser as fagulhas que saem voando, mais leves e mais livres sob o manto da chaminé. Assisti muitas vezes a esse espectáculo em sonhadoras vigílias. Às vezes, minha boa avó reacendia, colocando galhos secos acima da chama, a fumaça lenta que subia ao longo da fornalha negra. O fogo preguiçoso não queima sempre de uma só vez todos os elixires da madeira. A fumaça deixa com pesar a chama brilhante. A chama tinha ainda tanta coisa para queimar! Na vida também há coisas para reacender! E quando a sobrechama ganhava vida novamente, minha avó me dizia: veja, meu filho, são pássaros de fogo. Então, eu mesmo, sonhando sempre mais distante que as palavras da avó, achava que esses pássaros de fogo faziam seus ninhos no coração das achas de madeira, bem escondido, sob a casca e a lenha leve. A árvore, esse porta-ninhos, havia preparado, durante o seu crescimento esse ninho interno onde esses belos pássaros se aninhariam. No calor de uma grande lareira, o tempo acaba de eclodir e de levantar voo." Ainda trocava com os meus botões alguns idênticos, quase iguais, segredos da minha infância e já uma voz (que bem conheço) me advertia: céus, não lhe disse eu que também nos livros viajam segredos?
Adenda
... com memória.
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