"O que foi será!" é uma lei da Natureza, que é de ordem teológica
1. Verdade, sim, é mesmo verdade, é verdade que, desde que mais bem me conheço, passo horas sem conta nem queixa à volta do sentido do tempo, em meditação augustiniana. Atento ao que acontece no mundo, há dias em que dou por mim a pensar em dois tempos: o tempo do círculo e o tempo da linha.
2. Sobre o tempo do círculo, lá me vou dizendo que é o tempo do Destino, que é o tempo cíclico que nos vem das Civilizações Antigas, o tempo do Cosmos, o tempo do ritmo da Natureza sobre o qual a influência dos seres humanos é nula. O curso do Sol ao longo dos dias (e dos anos) só ao Sol e aos planetas que da sua luz se alimentam (a Terra, que é um organismo vivo, é um deles) diz respeito. No tempo do Destino, o passado reina porque o que foi será, os solstícios chegam periodicamente tal como as marés oceânicas ou as fases da Lua. Daí que falar do tempo do Destino seja fazer aparecer o círculo. Sobre o tempo da linha, lá me vou convencendo que é o tempo do Andamento neste mundo, que é o tempo do dia a dia e dos projectos e das apostas e das aventuras e dos efeitos da empatia no teatro do mundo em que os seres humanos estão no palco, é o tempo que quer do ponto de vista individual quer do ponto de vista colectivo pontua e marca a história da Humanidade. Daí que falar do tempo do Andamento neste mundo seja fazer aparecer uma linha.
3. Contudo, com um leve choque no coração, só agora dou por isso e só agora o sei e só agora o digo: sempre acontece algo de divino num regresso cíclico a um alfoz de um rio a espraiar-se no mar, quando se revivem alguns minutos de prazenteira admiração aurática perscrutando no silêncio a grandeza e a beleza de uma realidade única que se escapa aos sentidos. Assim, e mais. O horizonte dos limites das coisas e a força do olhar - o mistério vivificador dos gestos perdidos, as memórias povoadas de histórias, o bem estar e paz sem explicações e sem respostas a dar ou atitudes a fingir e os olhos húmidos a sentirem o tempo a regressar numa bela nuvem calma e serena - provam que a linearidade não anula a ciclicidade, provam que a vida gratuita se desenrola entre o tempo da linha e o tempo do círculo.
4. "O que foi será!" é uma lei da Natureza, que é de ordem teológica - oiço agora, na sensação esmeraldina de estar a ser olhado por alguém, uma voz cantarolar, é um cantarolar suave, no jeito do cantarolar das obras de arte quando falam entre elas. Oiço agora, quando já tinha lançado para longe as muletas do raciocínio, oiço e entendo e memorizo, e gosto!
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