A população de Portugal encontra-se dividida, psicologicamente,
Interregno
A população de Portugal encontra-se hoje dividida, psicologicamente, em cinco grupos distintos. O primeiro grupo, e o maior, que consiste na quase totalidade da nossa larga percentagem de analfabetos e em uma razoável parte do povo, e baixa burguesia, que não o é, apresenta os característicos distintivos do indivíduo português — a sua ausência de personalidade, a sua afectividade impulsiva e incoerente, a sua descontinuidade de vontade e de pensamento, e o seu amor pátrio animal e firme, pelo qual se congrega com facilidade em tomo do que constitua, ou julgue que constitui, a Nação.
O segundo grupo, mais restrito, mas suficientemente largo para ser importante na vida nacional, é o que forma a massa dos partidos políticos; formam-no grande parte da baixa burguesia, grande parte da média burguesia, e uma parte incerta da alta burguesia. Este português, tendo a mesma descontinuidade que o do primeiro grupo, já não tem as boas qualidades fundamentais, que aquele distinguem. O seu patriotismo, às vezes real, é todavia desfigurado por partidarismos vários, que por vezes se sobrepõem a ele. Ignorante, e, por isso, admirador de um estrangeiro que desconhece, esta gente é a que crê nos sagrados princípios da revolução, ou nos princípios igualmente sagrados da Monarquia Integral. Indolente, vivendo de empenhos e de cargos públicos que não exerce, é esta camada o principal obstáculo à reformação da Nação Portuguesa. O português simples é um simples animal afectivo e perturbado: uma forte superior direcção orienta-o e leva-o para onde quer. Estes outros, supondo que têm opiniões, têm-nas todavia o bastante para constituir um estorvo. Duplo estorvo — porque contagiam os estúpidos ingénuos que lhes estão abaixo e porque resistem aos cultos ou mais inteligentes, que lhes estão acima.
O terceiro grupo, psicologicamente parecido com o segundo, pois o caracterizam a mesma incapacidade de acção útil, é formado de grande parte da alta burguesia e de grande parte da burguesia média. São inertes, conservadores e desnacionalizados. São os do "lá fora é outra coisa", "isto é um país único", "isto é pior que Marrocos", frases que, em justiça se diga, ou não aparecem na boca dos outros grupos, ou só episodicamente e por imitação aparecem.
Um quarto grupo, formado de elementos causais de todas as classes, grupo restrito e (...).
s.d.
Da República (1910 - 1935) . Fernando Pessoa. (Recolha de textos de Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Mourão. Introdução e organização de Joel Serrão). Lisboa: Ática, 1979.
- 126.
Comentários
Enviar um comentário