A resposta pode soar-me a palavrão ou a palavrões?!



Olha, olha…, como é que este livrinho que tem na capa um desenho com “D. Quixote e Sancho Pança” de Picasso, veio parar à minha mala fabulástica?! Logo hoje que eu estava a pensar em adoptar um gato branco e de olhos azuis. Ouvi sussurrar, de mansinho e esquiva, a única fada desaparecida e vaidosa (mala fabulástica, só podia ser!). Ela quer adoptar um gato branco de olhos azuis, pensei comigo, e apareceu-lhe um livrinho na mala?! Que raio de charada! Percebi que estava atenta aos meus pensamentos e à minha presença (mas sem se fazer de achada) quando começou a desfolhar o livrinho como quem procura odores de um bosque vazio; e, com os olhos grandes à proa de um sorriso enigmático, leu pausadamente: “o amor não é só desejo (ui, ui, exclamou), por isso, sempre o que desejo de um objecto se acende nos nossos corações, pomo-nos a persegui-lo e a procura-lo e somos levados a mil desordens…”. Arrisquei perguntar-lhe o que é que significava o seu “ui, ui”. Não se fez rogada: meu caro, aquele meu “ui, ui” é resultado da minha deambulação, em segundos, pelos caminhos da minha imaginação depois me ter dado conta da sua acentuadíssima midríase desassossegada que a minha eléctrica e subtil presença lhe provoca… A minha midríase, como é que é?! Esta minha exclamação fê-la rir a bom rir de franja ao vento; e, deslizando graciosa pelas palavras, explicou-me que a midríase é sinal de interesse amoroso, que tanto se aplica a mim como aos gatos brancos de olhos azuis... Não me contive (tu queres ver, pensei comigo, que ela te adopta e nem dás por isso?) e disse-lhe que ou me explicava tintim por tintim porque é a minha midríase era igual à de um gato branco de olhos azuis ou a conversa acabava ali e eu ia apanhar ar... Riu-se, e gostei de a ver rir espiolhando o íntimo onde ela se escondia, tagarelando com os meus botões... Disse-me, com ar de sábia-guicha que a maior parte dos gatos brancos com olhos azuis são surdos de nascimento e que a responsabilidade da sua surdez congénita se deve a um gene autosómico chamado W (de White, branco em inglês); e que este gene, da família dos genes pleiotrópicos, transporta informação para a cor branca do pêlo, para o azul dos olhos e para a surdez... Sentindo-me banzado, linda de viver, tentou sossegar-me, garantindo que ela era um tesouro a descobrir e que compreendia que o meu cérebro se tivesse excedido com o curto circuito na aurícula esquerda do meu coração apaixonado pelo seu ar delicioso de Dulcineia (não tem dúvidas que fui eu que inspirei o Miguel de Cervantes, pois não?). Não desarmei... Mas, questionei, porque é que a minha midríase é igual à de um gato branco de olhos azuis? Olhe, nem parecia ela de feliz: a midríase não é igual mas sim similar, ou seja, um gato branco de olhos azuis é surdo e vê-me e ouve-me só com os olhos ... Mas eu não sou surdo ainda que tenha os olhos azuis, interrompi-a. Pois não, não é surdo e os seus olhos azuis são de Quixote, cavaleiro e andante, respondeu rápido e sensível à minha interrupção, mas sempre que me vê, o seu coração incendeia-se mil vezes desordenado e bêbado de pensamentos impalpáveis, dilatam-se as suas pupilas e o seu discurso é um estranho entaramelado de tintins entontecidos... Cá para mim que sou fada, rematou de olhos cintilantes (tranquila e tolerante), não é surdo e nem tem falta de ouvido; mas tem falta de tacto, muita falta de tacto, isso tem; um dia destes, em leves rodeios, explico-lhe lentamente e melhor a razão de ser da sua midríase, tintin por tintin. Não percebo, tente explicar-me um pouco melhor, ripostei... Pergunte ao Sancho, meu caro, pergunte ao Sancho o que é um tintin que ele responde-lhe; mas, alertou-me, não se admire com a resposta (no singular ou no plural) do "gorducho e anafado" Sancho Pança (anafado, que adjectivo tão mal aplicado..., mas é assim que ele é chamado no livrinho que veio parar à minha mala fabulástica); não se admire, repito e previno-o para estar atento, se a resposta do "gorduchinho" lhe soar a palavrão ou a palavrões... A resposta pode soar-me a palavrão ou a palavrões?!

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