O cérebro e o medo: mesmo uma amíglada sã não é imune aos efeitos do medo

Todos sabemos que a origem do medo é uma adaptação evolutiva da vida inteligente; e todos também sabemos que o medo é uma das emoções básicas que partilhamos com uma grande parte de outros animais. O mecanismo que desencadeia o medo encontra-se embebido numa das estruturas mais antigas do cérebro, ou seja, a amíglada (presente nas aves, répteis e mamíferos) que nunca dorme porque está, sempre e continuamente, atenta a qualquer sinal de perigo. Porém, grande parte dos nossos medos também pode resultar da actividade da nossa mente.
Ponderemos em dois exemplos.
Um, o medo da escuridão que as crianças manifestam não é mais que o medo das fantasias que projectam nessa escuridão. Outro diz-nos que os medos sociais (contagiosos e de fácil extensão) são consequência de uma preocupação desproporcionada quando a comparamos com uma ameaça real; ilustra bem este caso, em tempo real, o facto de vivermos hoje, em Portugal, uma situação de crise grave social, económica e política que é continuamente alimentada por notícias menos boas ou notícias más (verdadeiras e forjadas) que nos são transmitidas pelos órgãos de comunicação social e pelos políticos; a retroalimentação dessa preocupação poderá até vir a provocar, a curto/médio prazo, situações de angústia generalizada que se prestam a aproveitamentos de manipulação de emoções e de sentimentos das pessoas, por “gentinha” não recomendável, não confiável e atreita a comportamentos eticamente reprováveis.
Mas pensemos agora em algo diferente.
Nos sótãos da nossa memória (nestes sótãos está a chave do segredo que explica como aprendemos a ter medo) o cérebro guarda ainda muita outra informação desconexa (soma de experiências passadas), silenciosamente e atrás da cortina da consciência, com o objectivo de poder reconstituir um esquema do mundo (quando sentimos algo, por exemplo, essa sensação é analisada em termos de experiências anteriores) que seja suficientemente bom e através do qual (esquema) se possa orientar e actuar. Alguma dessa informação fragmentada pode ser constituída (em casos específicos) por pedaços de realidades manipuladas através da sugestão.
Perante uma omnipresença de subjectividade sugestionada, à medida que o tempo passa, o cérebro vai polindo e reordenando esses pedaços de realidades manipuladas e, com esse polimento e reordenamento, faz com que essa informação tenha vida própria; e nós, sem darmos por isso, condicionamos a nossa forma de estar e de ser na vida. E quando assim é, se uma qualquer amostra de ansiedade nos ataca, não somos (ou podemos não ser) de fiar, até para nós próprios. Nada de alarmes precipitados, no entanto, porque uma resposta imediata da amíglada, para nos proteger do perigo que aprendemos a construir, pode constituir-se e tornar-se uma bênção ou uma limitação biológica ou psicológica.
Um dia destes, direi porquê bênção e explicarei porquê limitação!

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