Como é dar forma à beleza partida e cadente?


Sim, creio que sim, creio que o risco de se passar a ser conservador - nas ideias e nas palavras e nos projetos  da vida quotidiana - depois de conhecer o pensamento de Roger Scruton, é muito elevado, creio que sim, que é. Adiante, o tema que dá força à escrita deste dia - a beleza partida e cadente - é a imagem de uma escultura-limite de Cy Twombly, sem título e datada de "Gaeta, 1984", e onde a ascensão é revertida e suspensa. Na base da escultura, numa placa, estão inscritos quatro versos. São quatro versos escolhidos com acutilância, são os últimos quatro versos da "Décima Elegia" das "Elegias de Duíno", de Rainer Maria Rilke, são estes: "E a nós que esperamos a ventura que sobe/sentiríamos uma ternura imensa/quase perturbadora/quando uma coisa feliz cai". A proximidade do movimento no último verso com o movimento da escultura (que sobe silenciosa e que cai na vertical, tal qual o verso) é mais que muita: é como se o movimento da beleza cadente, sem peso, fosse uma espécie de voo inverso. Pois sim, é isso mesmo, interrompeu-me a minha consciência crítica, acerca da proximidade - entre o movimento do verso e o movimento da escultura - recordo Simone Weil quando fez uma pergunta esclarecedora: "A gravidade faz as coisas cair e as asas fazem-nas subir, que asas elevadas à segunda potência podem fazer com que as coisas caiam sem peso?". Tal significa, ripostei, que quebrando a madeira da escultura - revertendo o seu movimento ascendente e fazendo a madeira cair sem peso para a terra apontando aos versos de Rilke - se dá forma à beleza partida e cadente, é assim? Sim, significa tal e qual, mas, que extraordinário!, sinto agora (acudam!) a beleza partida e cadente como o murmúrio das árvores; e sinto-a, ainda e também, como um regato que soa fresco numa pedra polida, trauteou ela atropelando as palavras. E eu, moita carrasco, embatuquei.

Adenda: hoje é dia azado para (re)ler "DESTINO e CARÁCTER" de Walter Benjamin  

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