O inebriamento de comunicação e de informação leva as coisas (e as memórias) a desaparecerem?

A escritora japonesa Yoko Ogawa, no seu romance Hisoyaka Kesshô, dá conta da existência de uma ilha que não tem nome. Nessa ilha, os habitantes vivem preocupados com acontecimentos estranhos e ocorrências inusitadas: as coisas desaparecem e não é possível recuperá-las. Desaparecem coisas tão diferentes quanto coisas perfumadas e brilhantes e reluzentes, coisas maravilhosas: chapéus, perfumes, sinos, esmeraldas, selos, até rosas e pássaros. Com elas a desaparecer, as memórias também desaparecem. Trata-se de um romance que descreve um regime totalitário que elimina as coisas e as memórias da sociedade através de uma polícia da memória (uma polícia pulha e trafulha de alto coturno), uma polícia em tudo semelhante à polícia do pensamento de George Orwell. Lá, nessa ilha, as pessoas vivem em tempo invernoso de esquecimento e de perda, e quem delas, em segredo, arrisca ir atrás das memórias, é preso sem dó nem piedade: até a mãe de protagonista, que protege, nas gavetas de um móvel de cerejeira antiga, as coisas ameaçadas de desaparecerem, é perseguida e morta pela sempre omnipresente polícia da memória. Perguntas que sobram: não está a acontecer o mesmo nos tempos que correm?, sem que demos por isso, não estão a desaparecer da nossa sociedade as coisas e as memórias importantes? Sim, está a acontecer o mesmo neste nosso tempo, a  inflação das coisas engana-nos com engodos e tretas, e a nossa tradicional pachorra leva-nos a acreditar que assim não é, que não desaparecem as coisas e as memórias, respondeu-me a minha consciência crítica, hoje mais avessa do que de costume. Pudera!, hoje é dia 01 de Abril e não é mentira que, num refogado de factos, mentiras e aparências, as coisas e as memórias estejam mesmo a desaparecer nesta nossa sociedade da comunicação e da informação.

Adenda com memória.

Comentários

Mensagens populares