E, eureca!, buscar a beleza é buscar o prazer
Trasantontem, vá lá saber-se porquê!, às tantas até sei, adiante, trasantontem, passei parte da minha tarde a ler alguns textos, sobre coisas e loisas sobre a beleza e o cérebro, com música escolhida em fundo, e gostei. A voz da minha consciência, pensei, é inconfundível, reconheço-a imediatamente mal a ouço, vou passar-lhe uma rasteira, e atrevi-me: o que é que sustenta esse teu juízo de gosto?, é a beleza que viaja invisível nesses textos? Quão tanto atrevida é a tua pergunta dupla, ripostou, a resposta é sim, é a beleza que viaja invisível nesses textos que sustenta o meu juízo "e gostei", será que és capaz de arriscar uma explicação para tal? Decididamente não sou capaz, retorqui, iria recorrer às teorias de Platão, de Aristóteles e de Kant sobre a beleza e, aposto, essas teorias pouco ou nada explicariam, nunca algum deles se atreveu a dizer que a beleza viaja invisível em textos escolhidos e conhecidos, prefiro ouvir o que tens de novo para me dizer. Vamos por partes, trauteou ela, deixa para lá lá os filósofos e as suas sábias teorias há muito alforjadas, ouve-me então e regista que: quando eu olho, para tudo na vida eu sempre olho primeiro e depois penso, para aqueles textos escolhidos (que são minha propriedade e que mui bem conheço de ginjeira, diga-se de passagem) e para as imagens que os encimam e lhes dão cor, busco o prazer, e, eureca!, buscar a beleza é, na verdade, buscar o prazer. Como é que é?! Interroguei embaraçado. E ela, divertida: tens bom remédio, pergunta ao Semir Zeki se não é verdade que, quando as pessoas olham para algo que lhes parece belo, uma parte da frente do seu cérebro, o córtex orbitofrontal medial, se acende?, mais, pergunta-lhe se o sangue flui ou não cada vez mais nessa área do cérebro (que está associada ao prazer e à recompensa) naquelas ocasiões? Prudência, minha bela consciência!, não preciso de perguntar nada ao Semir Zeki, respondi sem tem-te nem mas, a pista é boa, mas já sei que assim é, e até sei ele também diz que a beleza recebida pelos ouvidos não difere da beleza recebida pelos olhos, e também sei que "a extensão da actividade no córtex frontal medial é directamente proporcional à intensidade declarada da beleza". Bem, interrompeu-me, nem mais, é assim que eu gosto, saíste-me melhor que a encomenda, que arrojada resposta durindana a tua!, gosto, vejo nela a promessa de um prazer maior. Deixo-te ainda uma imagem - "Beleza quebrada", beleza quebrada que é como um desenho num tecido leve - , não esqueças nunca que toda a imagem tem o seu mistério e sempre é objecto da noética, e te pergunto ainda no jeito de quem sabe a resposta: a minha modulada voz, por ti memorizada e para todo o sempre amada na tua imaginação, é música para os teus ouvidos, pois não é?, claro que é! Resposta durindana?!, foi mesmo o que ouvi? Embatuquei sem apelo nem agravo, mas não desistirei de saber mais. Com música a tiracolo, vou tentar saber muito mais sobre a beleza invisível que viaja nos textos, naqueles textos onde se adivinha mais do que se compreende o seu conteúdo, verdadeiro e bom e belo, conteúdo da vida-existência-humana, cheia de mistérios e de raminhos de mirto.
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