Nunca o mundo poderá ser salvo sem a poesia
Caro António Salvado!
Conversei mais que uma vez (um ror de vezes, três, quatro ou cinco, mais bem dizendo, seis talvez) com o seu filho Pedro e nunca lhe falei em si e nem de si. Porquê? Sei eu lá bem porquê!, porque não quis, pensei que não devia, que seria um abuso da minha parte. Não quis, talvez porque sobre coisas comezinhas e desagradáveis e corriqueiras - banalidades do mal - nunca e nem em qualquer circunstância eu traria o seu nome à colação. Mas quão tanto a vida nos surpreende! Decidiu, sem aviso prévio, viajar para outras dimensões da poesia e eu só há uns dias o soube, soube-o à saída de um concerto com a Maria João Pires na Igreja Matriz do Fundão, a música e a poesia sempre dão as mãos, adiante, se era assim que tinha de acontecer, aconteceu. Quero dizer-lhe que continuo a admirar a sua forma de pensar. Recordo agora à M. Proust... Quando o António Ramos Rosa cansado (tínhamos vindo a pé da Assírio & Alvim, ele, o M. Hermínio Monteiro e eu), numa mesa do café Roma ali ao Areeiro/Praça de Londres (tantos anos já lá vão!), apontando, assim se referiu a si: "ele é dos do café Gelo, dos bons, acreditem que com palavras de vento e de pedra inventa o vento e as palavras, a poesia dele é uma mesa farta para o pensamento", eu, afoito, arrisquei uma patacoada parola, esta: "a poesia nunca salvou o mundo". A sua resposta, meu caro António Salvado, foi imediata e certeira, fulminante: "mas também nunca o mundo poderá ser salvo sem a poesia". Nunca mais esqueci a conversa que se seguiu, nela ouvi pela primeira vez falar em "cachos bêbados" e em "Perséfone" e "Atégina". Hoje, já não era sem tempo!, sei que a poesia é o registo mais antigo da literatura, e sei que onde está a poesia está Deus, mesmo que Ele não exista.
Adenda - A propósito do "Café Gelo"
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