Pensar com J-j. Rousseau num domingo com chuva
Jean-jacques Rousseau - Meditating In The Park At La Rochecordon – (Alexandre Hyacinthe Dunouy)
"Com as primeiras vozes formaram-se as primeiras articulações ou os primeiros sons, segundo o género das paixões que ditavam estes ou aquelas. A cólera arranca gritos ameaçadores, que a língua e o palato articulam, porém a voz da ternura, mais doce, é a glote que a modifica, tornando-a um som. Sucede, apenas, que os acentos são nela mais frequentes ou raros, as inflexões mais ou menos agudas, segundo o sentimento que se acrescenta. Assim, com as sílabas nascem a cadência e os sons: a paixão faz falarem todos os órgãos e dá à voz todo o seu brilho; desse modo, os versos, os cantos e a palavra têm origem comum. À volta das fontes que eu falei, os primeiros discursos constituiram as primeiras canções; as repetições periódicas e medições do ritmo e as inflexões melediosas dos acentos deram nascimento, com a língua, à poesia e à música, ou melhor: tudo isso não passava da própria língua naqueles felizes climas e encantadores tempos em que as únicas necessidades urgentes que exigiam o concurso de outrem eram as que o coração despertava. Foram em verso as primeiras histórias, as primeiras arengas, as primeiras leis. Encontrou-se a poesia antes da prosa, e haveria de assim suceder, pois que as paixões falaram antes da razão. A mesma coisa aconteceu com a música. A princípio não houve outra música além da melodia, nem outra melodia que não o som variado da palavra; os acentos formavam o canto, e as quantidades, a medida; falava-se tanto pelos sons e pelo ritmo quanto pelas articulações e pelas vozes. Segundo Estrabão, outrora dizer e cantar eram o mesmo, o que mostra, acrescenta ele, que a poesia é a fonte da eloquência. Seria melhor dizer que tanto uma quanto outra tiveram a mesma fonte e a princípio foram uma e única coisa. Levando-se em consideração o modo pelo qual se ligaram as primeiras sociedades, pode sentir-se surpreendido pelo facto de terem sido as primeiras histórias escritas em versos e que se cantassem as primeiras leis? Será motivo de admiração terem os primeiros gramáticos submetido a sua arte à música e serem, ao mesmo tempo, professores de uma e de outra?"
J.J. Rousseau, Ensaio sobre sobre a origem das línguas
Revisitar, num domingo com chuva, um ensaio (não tanto lido e conhecido como merece ser lido e conhecido) de J-j. Rousseau, até que pode ser uma boa ideia. Melhor ideia será ainda, se tal releitura acontecer com música em fundo (mui agradável), música do mesmo polímata J-j. Rousseau. Além de muito se aprender, essa releitura (com música em fundo) proporcionará um sentimento maravilhoso: aquele sentimento de estar perante alguém que, além de sabedoria, provoca admiração, inveja e a vontade de um dia podermos saber tanto e escrever e compor música.
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