Exercitando a arte do diálogo: hoje passado é 2023

Ennio Flaiano é, sem dúvida, um escritor pouco conhecido, mas é um escritor cujas piadas são para ter em conta e para levar a sério. Estamos na véspera de um novo ano - 2023 - e, neste último dia de 2022, uma daquelas piadas vem mesmo a calhar, esta: "Desconfio tanto do futuro que só planeio o passado". Qual a verdade que se esconde nesta frase, sabes? Esconde-se a verdade de que o futuro (nos tempos que correm) é um instrumento de poder, ora porque nos ameaça com catástrofes ecológicas e com empobrecimento social e cultural ora com enjoativas ideias de progressismo saloio, e também se esconde a verdade de que devemos orientar as acções e os pensamentos pelo futuro, ameaçador ou radioso, que alguns por aí apregoam, será? Sim, são essas verdades mas também a verdade de que devemos não ligar ao passado, porque é fixo e não pode ser mudado, que devemos tão só guardá-lo num museu; e ainda e também a verdade de que o presente apenas serve para preparar o futuro. E então?! Então que estas verdades são rotundamente falsas, aquilo que temos e podemos conhecer (com relativa certeza) é o passado, o presente (por definição) não se pode apreender, e o futuro (que não existe) pode ser inventado por um qualquer vendedor de banha da cobra (atenta, por exemplo, nas promessas de políticos rascas). Olálá!, tenho então que desconfiar de quem apregoa e oferece futuros por dá cá aquela palha e que, sendo como dizes, a maior parte das vezes nos pretende enganar?, não! Oh!, meu caro atabalhoado mental, que bem pensado e quão bem dito, já ouviste falar nas "Aventuras do Sr. Tompkins"?, lembras-te de o Ivan Illich escrito "Jamais autorizarei que a sombra do futuro repouse nos conceitos através dos quais arrisco pensar o que é e o que foi."? Aventuras de quem?, agrada-me recordar esse escrito do Ivan Illich até (olha só!) vou revisitar um seu livro sobre educação, mas deixa que te pergunte: foi o Walter Benjamin que cunhou o termo rememoração, pois não foi?, rememoração é algo diferente das memórias como arquivo imóvel, pois não é? Saíste-me melhor que a encomenda, é isso mesmo, exacto e qual, rememorando agimos sobre o passado, e é desse jeito que o tornamos de novo possível. Neste diálogo que já vai longo, só falta concluir que esse tal (desconhecido) Ennio Flaiano sabia bem o que dizia: que os planos se fazem no passado. Nem mais!, Jesus, Maria, José, hoje passado é 2023.

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