O tempo paralelo é um lugar secreto, íntimo, onírico


(msg recebida)

Passei-me dos carretos, meu caro, passei-me dos carretos quando me demorei na imagem que lhe envio, ei-la agora aqui à sua frente. Claro que sim, claro que sei quem é o autor (Caspar David Friedrich) da pintura a óleo (73,6 x 52 cm) que a imagem evoca - Mulher na escada, uma paisagem interior, 1825 - ; mais, até conheço o contexto em que essa pintura aconteceu, adiante. A verdade, porém, é que isso conta pouco, o que conta é que a pintura tem muito de mim, e olhe que não se trata de um devaneio poético, nada disso, trata-se de, metaforicamente, me ver a subir da sombra para a luz, movendo-me com graça do mundo sensível para o mundo inteligível do Platão, do mundo visível para o mundo invisível de M. Ponty, do mundo da matéria e das questiúnculas mesquinhas para o mundo da arte, da literatura, da música, da sensibilidade fina, para o mundo do deves mudar de vida, adiante de novo. Bem que, com vontade de saber, lhe pergunte: quando alguém descreve aquilo que está a visualizar, a imagem que é descrita é a imagem mental do que visualiza, certo? Sim? Gosto, então aí vai, mistério de mim!, aí vai o que sinto: nós somos o que vivemos, o sei e o digo, o presente é uma mistura de tempos, é uma mistura na qual se inclui o tempo paralelo. O tempo paralelo é um lugar secreto, íntimo, onírico, onde acontece tudo o que não vivemos, um lugar que nos está destinado desde o início do tempo, entre a arte e a beleza as relações são milenares, é óbvio que tal só acontece no tempo paralelo. Isso mesmo, tempo paralelo é o tempo carregado com a perpétua tarefa de existir em leveza: o que é bom é leve, tudo o que é divino corre sobre pés delicados, escreveu Nietzsche, e quão bem eu o sei! O tempo, registe, é mais cíclico que linear e também é paralelo dado que a lei da gravidade se aplica às recordações: acaso não sabe que o cérebro não distingue o momento presente de uma recordação? Aqui lhe deixo ainda a pergunta que agorinha me azucrina o juízo: como é que se ensina uma pessoa a ler uma imagem mental para si própria em silêncio recolhido? Céus, acudam!, descobri: uma imagem mental é para se tomar mesmo a sério, uma imagem mental diz-se a si própria no tempo paralelo. Bingo!

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