Quando o reflexo de um reflexo desvela uma realidade-verdade oculta

Demorei-me algum tempo na vida e na obra de Berthe Morisot (1841-1895) e fiquei intrigado com um seu óleo - 55x46 - (imagem acima) "Devant la psyché": porque é que no reflexo no espelho a mulher não tem rosto? Percebi, demorando-me na pintura, que um corpo é o lugar da furtiva luz despida e confidente, e descobri que o desassossego de Berthe Morisot era contrariar as pinturas em que o rosto das mulheres traduzia tão só o como os pintores homens viam o rosto das mulheres. Berthe Morisot, com aquele óleo em despenhado silêncio, levantou a sua voz acesa para dizer que as mulheres não se reviam nos rostos de mulheres pintados pelos pintores homens, faltava à beleza feminina o olhar feminino: nem ela nem as mulheres da segunda metade do século XIX se sentiam representadas nos retratos femininos expostos nos museus. Eis como o reflexo de um reflexo, como quem habita um olhar magoado e nu, desvela uma realidade-verdade que estava oculta e da qual ninguém falava, a realidade-verdade das mulheres.

Adenda - ... com memória.

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