Acerca da poesia popular: sete notas filosóficas sustentadas em quadras de Tó Guiomar

1. O que é a poesia popular? Parece uma pergunta fácil de ser respondida, e não é. Como delimitar algo que não tem limites? Responder à pergunta não é tarefa fácil tendo presente os múltiplos significados que da poesia popular podem emergir: “era uma vez uma gata muito brava/que em ninguém faria confiança/mas o gato que a namorava/já vivia em França”.

2. Há, porém, uma realidade que só é revelável pela voz da poesia popular, a realidade de que quando nascemos há sempre alguém à nossa espera: “dorme dorme meu menino/tu és a estrela da madrugada/se não fosses tu meu menino/a gente não tinha nada.

3. O soco que alguns versos dão em nós, quando os lemos, só o sentimos na altura em que, do tema que os sustenta passamos ao espanto quase físico do encontro com uma verdade a que pouco damos atenção, esta, a vida acontece, não se escolhe, a vida é breve: "a minha vida/começou ao nascer/curta ou comprida/há-de ser até morrer". 

4. (Nos tempos que correm) que bom é saborear versos soltos que nos colam à natureza-mãe, são versos que desafiam os actuais citadinos estilos de vida e de pensamento: “à sombra de uma tília/uma mesa bastante enorme/ali se come e se bebe/e também se dorme.

5. A vontade de viver que transpira em versos simples - “nem teu pai, nem tua mãe/querem que a gente fale/a gente rala-se bem/não vai a bem vai a mal- é por vezes tão grande que ganha a dimensão harmoniosa daquilo a que alguns há muito tempo chamam alma.

6. Existem outrossim versos que nos fazem descobrir a maravilha que é existir como seres humanos, tornam-nos capazes de contemplar o mistério em nós no deslumbramento da vida madrasta e mãe: “não me peças para cantar/porque me estou sofrendo/sou como a vela do altar/que dá luz e está morrendo.

7. “Eis o que é a poesia do povo: a natureza no momento mais expansivo da sua verdade, a inspiração no voo mais livre e inconsciente; é ele que nos faz estender a mão para sentir as pulsações latentes do coração da humanidade, faz escutar as harmonias do mundo desta harpa animada, em que ressoam as alegrias e tristezas do poema da vida(Teófilo Braga): “eu vos tenho no coração/mas não vos posso acompanhar/estou aqui no Fundão/o meu nome é Tó Guiomar.

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