Dia 01 de junho de 2022 - E se existisse um Provedor da Criança em Portugal?



Há algumas e alguns, com responsabilidades únicas na sociedade, que alimentam a ilusão de que a vida tem tudo a ver com uma estrada a direito. Enganam-se redondamente, coitados!, julgam que há avisos a anteceder as lombas e as curvas perigosas e até pensam que todos os cruzamentos e todos os túneis há muito estão assinalados. Santo Deus!, que fado triste!, pior ainda, essa gente também adormece sonhando que em todos os miradouros se pode andar em baloiços e garante a pés juntos e sem ponta de juízo que nos diversos miradouros sempre se avista uma paisagem deslumbrante. Olálá!, trauteei, esta acelerada e metafórica fala-remoinha da minha consciência crítica vem direitinha do estômago, quão tamanha azedia! Ela, sem me ligar, continuou, e eu registei: são uns (e umas) palermas, que iludidos pela própria ingenuidade e toleima se julgam habilitados, no andar da vida, a indicar caminhos, a prever obstáculos e a aconselhar paragens e cuidados em prol de uma dita igualdade (que sina!, ainda não entenderam que ser igual é ter a oportunidade de ser diferente), é assim, vão mas é à caça de gambuzinos!, é assim que vão mandando e decidindo. Cegos de olhos abertos, nunca sabem se virar à direita é melhor do que à esquerda ou se seguir em frente sem serem capazes de valorizar os erros, e depois, que malvadez!, e depois são sempre os seres humanos mais frágeis que pagam as favas. Preocupado, tive que a interromper, e disparei: muito bem, já ouvi e já percebi que hoje é dia de uma zanga daquelas!, porquê?, posso saber? Então não!, ripostou ela já em tom cordato, claro que sim, aí tens, hoje é mais um dia mundial da criança e, céus!, acabo de ouvir isto relacionado com a intervenção junto de crianças e jovens em perigo, pode lá estar a acontecer!, adiante: há quanto tempo te moo o juízo acerca da necessidade e da urgência de existir em Portugal um Provedor da Criança, que garanta e que promova os direitos das crianças e que se bata sem medo pela defesa do apregoado "superior interesse da criança"? Há muito e muito tempo, respondi, reconheço que sim, mas hoje não consigo entrar nas tuas duas metáforas: a da estrada e a dos miradouros. Não se fez rogada e, assertiva e martelando as palavras, disse: em tempo em que tanto se sabe sobre o desenvolvimento do cérebro infantil e adolescente e sobre as chaves e os segredos da neurodiversidade e da neuroeducação, sobre a importância vital da empatia, a metáfora da estrada significa “alergia à mudança e deixa andar que o tempo há-de resolver” e a metáfora dos miradouros significa mandar para o galheiro o valor da maior parte dos “observatórios e relatórios e afinssobre a promoção e a protecção dos direitos das crianças que por aí proliferam há anos a mais, em tudo se assemelham aos tais miradouros com belas paisagens. Ainda arrisquei: mas a vida não é um sistema de replicação com possibilidade de existência de erro? E ela: claro que sim, o que define a vida é a possibilidade de diferença e de diversidade e o erro é a única fonte variação, isso é que permitiu a vida; e assim sendo, e sendo  os erros já tantos e tamanhos, a partir de agora ou vai ou racha, a mudança já por aí está a chegar. Guardei de Conrado o prudente silêncio, pensei e decidi ser o momento mais certo para terminar a minha escrita, mas comentei ainda comigo: faz muita falta um Provedor da Criança em Portugal!, será tão difícil entender que cada indivíduo é um acontecimento único e irrepetível no processo evolutivo?, será tão difícil entender que os seres humanos só são ligeiramente desiguais porque cada ser humano é um ser singular?, e será mesmo tão difícil entender que os seres humanos são especialmente iguais, porque todos fazem parte de uma só espécie?, às tantas é!

Adenda - E então não é que, em Portugal, tão só o partido político "Iniciativa Liberal" apresenta, no seu último programa eleitoral, uma proposta objectiva, tendo em vista a criação de um Provedor da Criança?

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