ELOGIO DA PROFANAÇÃO

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Os filólogos não cansam de ficar surpreendidos com o dúplice e contraditório significado que o verbo profanare parece ter em latim: por um lado, tornar profano, por outro — em acepção atestada só em poucos casos — sacrificar. Trata-se de uma ambigüidade que parece inerente ao vocabulário do sagrado como tal: o adjetivo sacer, com um contra-senso que Freud já havia percebido, significaria tanto "augusto, consagrado aos deuses", como "maldito, excluído da comunidade". A ambigüidade, que aqui está em jogo, não se deve apenas a um equívoco, mas é, por assim dizer, constitutiva da operação profanatória (ou daquela, inversa, da consagração). Enquanto se referem a um mesmo objeto que deve passar do profano ao sagrado e do sagrado ao profano, tais operações devem prestar contas, cada vez, a algo parecido com um resíduo de profanidade em toda coisa consagrada e a uma sobra de sacralidade presente em todo objeto profanado.

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Texto retirado de "Elogio da Profanação" de Giorgio Agamben (aqui)

Adenda (msg recebida)

Se (re)ler e se demorar em "O fogo e o relato..." de G. Agamben e se, depois, recorrer à memória proustiana, dificuldade não terá em se aproximar do sentido profundo de "... a algo parecido com um resíduo de profanidade em toda coisa consagrada e a uma sobra de sacralidade presente em todo objecto profanado. "

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