No cair do pano de mais uma semana internacional do cérebro

Está a cair o pano em mais uma semana internacional do cérebro e o meu interesse em saber o que a arte revela sobre a natureza humana é cada vez maior. Como bem não esqueces - quão tantas vezes te disse já que nas obras de arte viajam segredos! - tenho tentado tudo para conhecer mais e mais e muito mais, sobre a origem da arte e da obra de arte, recorrendo aos saberes/investigações da neurociência e especificamente da neuroestética, a verdade é que nem uma e nem outra me convencem, são as pessoas que fazem e que apreciam a arte, não é o cérebro; vida!, acabo de chegar à conclusão que uma obra de arte é uma ferramenta alienígena, claro que não ponho em causa a ligação da arte à natureza biológica dos seres humanos, óbvio. Ar intempestivo e tom decidido com música em fundo, não me deixaram margem para dúvidas, a minha consciência - que tem andado arredia – tinha descoberto sei lá bem o quê. Ripostei: uma obra de arte é uma ferramenta alienígena?, terei ouvido bem? Claro que ouviste bem, respondeu, anda comigo, vamos apreciar juntos a pintura que hoje te ofereço, uma notável pintura de Anita Malfatti (1925- 1ª v). Olhei a pintura com olhos de ver, o quão tanto a arte revela!, percebi embasbacado que é uma obra de arte que interrompe a aparência simples e que revela o que a aparência simples oculta, fiquei sem saber o que dizer, e ela: pela tua cara já percebi que estás banzado, deixa no entanto que seja eu a fazer uma visita guiada, vamos entrar na pintura, anda daí e entenderás o porquê de uma obra de arte ser uma ferramenta alienígena que revela segredos: cuidado com esse móvel é de cerejeira antiga, gosto dele, sente-se a sua solidez e os puxadores das gavetas estão intactos; esta mesa, hum, deveria ser em vidro, é curvilínea quanto o reposteiro, gosto das pétalas nas paredes, que interessante o ar dourado da jarra de flores, a geometria do piso provoca-me arrepios, conheço a aura das imagens na parede, céus, esta porta!, não!, que me dizes do ar-perfil altivo-sereno da figura feminina em roupão e encantada pela luz?, parece tratar-se de alguém mui inteligente e livre, conheces?, demora-te no chinelo e no pé direito, que lindo!, que pormenor tão delicioso, pois não é? Preparava-me para responder, e ela: olha, olha!, olha aqui uma folhinha-pagela de um caderno, está escrita, vou ler, ui!: "a vida pode ter-nos separado, mas não poderá fazer-nos esquecer os tempos em que nos conhecemos", que te parece?, é uma mensagem esquecida para ser encontrada? Estou sem fala, suspirei, sei agora que a arte investiga o mundo e mostra-nos a nós mesmos ao mesmo tempo, uma obra de arte também é um pensamento tornado vida, e a pintura da Anita Malfatti é a prova provada de que assim é, não tenho dúvidas. Isso, tal e qual, interrompeu-me ela num tom afectuoso, só a arte pode ajudar a moldar uma imagem melhor da natureza humana, a arte é: (i) coisa feita/criada através de técnicas específicas; (ii) rizoma pre-ocupado (de emoções, sentimentos, percepções e segredos) que viaja no tempo, a pre-ocupação é a memória do futuro; (iii) ferramenta alienígena que redime a natureza humana, o mundo é uma obra de arte e o futuro é a origem. Quando tudo está tão bem dito, pensei comigo, é uma atitude inteligente ficar calado, calado e ruminando a ideia de que a minha consciência proustiana não tem igual, ponto final.

Adenda

Nesta semana internacional do cérebro, gostei de (re)ouvir dizer que..., e ainda também recordar.

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