Embatuquei: se não me armo em calinas?!, em quê?!, calinas?!















Árvores caídas cobertas de musgo e plantas no bosque de Bialowieza (uma reserva do passado para o futuro)

Meu caro admirador da minha lendária perspicácia, desta vez é de vez, não gaguejo nem um segundo. Foi assim. Rapinei a imagem que lhe envio e depois, ouvindo uma cotovia a dar-me os bons dias, pus em fundo musical (para acalmar os nervos) esta sinfonia de Tchaiovsky e disse para mim em palavras medidas: o mundo não pode passar sem governos e sem exércitos, e também não pode passar sem política e sem religião, são elas que garantem a esperança de morrermos esquecidos, mas alto aí, há limites. Era ainda madrugada alta, mas eu consegui descortinar que era a minha consciência crítica a falar afogueada, aguentei calado, e ela: vida!, estou a passar-me dos carretos, então, pode lá ser!, raios e coriscos!, um antiquíssimo e belíssimo bosque natural (Bielorrúsia e Polónia) é agora palco de uma iníqua tragédia humana, humanos contra humanos na mãe natureza, um escândalo miserável, caíram as máscaras substituídas por antolhos, migrantes desesperançados (e indefesos), exércitos armados e arames farpados, o ar não é puro, encrencas e só encrencas políticas, tristes e trágicas e com crianças à mistura, uma coisa completamente impensável e com muitos quês de pulhice; céus!, e eu que sou a sua consciência crítica mais me tenho parecido com uma rolha de cortiça a boiar à bolina, eu a fazer-me de cega e surda e mouca, pode lá ser!; aqui declaro que abomino as desigualdades sociais e as opressões e os crimes, o próprio daquele mundo é a insensibilidade, a degradação e a imundície, vida minha!, os migrantes têm direitos, revolto-me e grito: semelhante gente deixa nome na História?; incomoda-me o silêncio de Deus, sou aprendiza de mistérios mas recuso ir boiando ao sabor da corrente, ui o meu gélido azedume a crescer, leio, oiço e sei que todos os presságios a que se não deu importância se concretizaram, deuses!, alerto-o a si veementemente: trata-se de um facto histórico que reclama os seus direitos e, dado que a política cada vez mais se dedica à intriga, ao adjectivo e ao fútil, já vão sendo horas de se insurgir, de escrever curto e grosso, de botar faladura e de, como uma criança antes de a ensinarem a ser grande, ser leal ao que vê e ouve, indigne-se e veja se não se arma em calinas. Embatuquei siderado: se não me armo em calinas?!, em quê?! calinas?!

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