Variações soltas acerca de um duro golpe na Galp

Valha a verdade, soprou-me a minha consciência crítica, valha a verdade que, meu caro, me passei dos carretos quando ouvi o primeiro ministro do governo deste seu Portugal, que na pele de secretário do partido socialista (está bem de ver que o partido está acima do país) anda frenético, numa roda-viva, nestas ditas eleições autárquicas que são tudo menos isso, quando o ouvi, dizia eu, quando o ouvi a perorar (maduramente irritado q.b.) sobre um duro golpe na Galp. Esta minha memória!, veja bem, até desenterrei um decreto-lei de 1975, este, um decreto lei que, na altura, regulamentava a intervenção do Estado nas empresas, Deus do céu!, levei dois dias a remoer o tema, a história não se repete, pois não?, mas que há dias em que a miséria do mundo nos cai em cima, lá isso há!, adiante. Não seja assim, respondi-lhe, sabe muito bem que estes seus desabafos me põem os nervos à flor da pele, tenho bem presente que ainda um dia destes lhe dizia a si que a democracia e a liberdade e a igualdade - neste país onde o Estado dá esmolas a torto e a direito e onde a máquina bem oleada do governo pertence aos mesmos (políticos e banqueiros, corporações e federações, maçonaria e opus Dei, comunicação social e quejandos) à um ror de anos, - são ilusões, apenas ilusões, só ilusões. E o outro país, o país da cunha, do jeito e do favor e da lisonja, que ouve e que cala, que estende à mão às esmolas do Estado, esse país vale um tostão furado?, que faria esse outro país com a democracia e liberdade e a igualdade, sabe? Retorquiu ela desenfreada. Perdi as estribeiras, e: e quem foi que criou esse país mendigo de mão estendida que não vale um tostão furado? Os mesmos, meu caro, disparou apanhada em flagrante, sempre os mesmos, que sina!, os mesmos que mandaram para o galheiro o espírito cívico e a diligência crítica e a responsabilidade social, os mesmos que há muitos anos nos rapinaram a faca e o queijo e a marmelada, raios, os mesmos que não aprendem nem um poucochinho que seja, os mesmos que sempre se mantêm do lado de onde sopra o vento, quanta palermice de ideias por aí vai, deuses! Perante tamanha franqueza, acalmei, pus os nervos em banho-maria, e pedi-lhe: quer-me falar-me um pouco mais desse tal duro golpe na Galp? Nem pense, meu caro, nem pense, lá se ia o meu escalpe, é certo, certinho, livra!, mas um dia destes tenho intenção de reagir à bruta, mando mágoas antigas às malvas e disparo a torto e a direito, lá isso disparo, vida!, cuidem-se, não posso e não vou à bola com máfias pelintras escudadas em sondagens pífias, gosto sempre de estar do lado bom da barricada!

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