(Divagações soltas) sobre a frágil força messiânica da consciência

















Numa das teses sobre o conceito de história diz (ipsis) Walter Benjamin que "..., existe um encontro  secreto, marcado entre as gerações precedentes e a nossa, alguém na Terra está à nossa espera (...), foi-nos concedida uma frágil força messiânica para a qual o passado dirige um apelo (...)", admire e entre na imagem de uma pintura de Manet, que agora mesmo projectei na parede branca do seu quarto com janela de guilhotina. Era noite mui cerrada, e eu ainda estava a cair de sono. Com a música de meditar em fundo, nem queria acreditar no que tinha ouvido; embasbacado, no carro do sono, olhei demoradamente a pintura de Manet, aquela plenitude luminosa cavava um vazio no meu coração. Mais uma vez a minha consciência a puxar por mim, comentei comigo, e ouvi-me a tagarelar: se dúvidas eu tivesse sobre o que é ou o que possa ser a consciência, hoje, decididamente, as mandava às malvas, agora sei que a minha consciência é uma frágil força messiânica (que chegou à Terra depois de mim e para a qual o meu passado genético e cultural dirige um apelo todos e cada dia). E ela: há quem diga, e não tem mal algum asssim pensar, que a consciência é um sistema emergente no corpo-cérebro, às tantas até é. Porém, eu prefiro pensar que a consciência é uma voz interior (que fala não falando), uma voz interior que, em momentos-chave, faz o resumo do sentido da vida vivida por cada ser humano (corpo e espírito), cada ser humano é uma aldeia. Céus!, adorei que tenha percebido a mensagem do Walter Benjamin e gosto que me sinta a sua medicina, que me sinta a água que capta as suas imagens, gosto e gosto muito que me sinta a sua frágil força messiânica, e também gosto, gosto e gosto que acredite na imortalidade da alma. Eu, sem saber o que replicar, arrisquei: e se me explicasse a origem da pintura de Manet? Divertida e sensível, disse que sim, que explicava a pintura. Discorreu então em tom de bonomia trocista-oracular, bem ao seu jeito: num dia quente de verão, o Edouard Manet sentou-se à sombra de árvores centenárias num caminho antigo e pintou uma casa em Rueil (Paris), pintou a casa de dois andares (iluminada pelo sol) que estava à sua frente, paredes de amarelo a cair para o torrado; venezianas (ups!) das janelas de azul muito claro - algumas delas abertas para entrar o ar, o calor, a luz divina; a porta da frente parece aberta, mas está escondida atrás de uma árvore que cresce em torvelinho; ao lado da árvore, as belíssimas rosas vermelhas (gosto tanto de rosas!, e se eu disser que as rosas sorriem?!); à esquerda, um banco branco acolhedor (o meu banco branco, ui!), e à direita, o contorno de uma cadeira com uma manta (a minha mantinha, pode lá ser!); quase se pode sentir que o Manet estava à sombra a pintar o contraste entre sol e sombra, é na sombra que se recebe a luz... Naquele instante brilhavam no céu estrelas mais que nunca e eu acordei com o ruído que o silêncio fazia, mas achei por bem ficar calado, que surpresa boa!, tinha divagado a procurar-me. Tinha acontecido um maravilhoso encontro secreto entre mim e a minha consciência messiânica, tinha acontecido um sono leve de longa duração, tinha acontecido um delicioso encontro de cinco minutos que durou muito mais que uma hora e tal, um maravilhoso e delicioso encontro, um encontro só nosso, pura verdade!

Adenda..., "... o tempo em que vivemos parece particularmente propenso à reflexão filosófica", concordo!

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