Um sonh(o)arte que nasceu num rosto que é uma via graça, é...



















Há muito que os sonhos são (e continuarão a ser, Deus o queira!) um dos factos da minha vida que mais me impressiona, são os sonhos que me convencem do carácter puramente mental da realidade, e cujo auxílio não enjeito na composição da forma ética do meu "ser-no-mundo" (a ética é a estética da vida, sei que sim, que é). No rosto, na imagem acima, em que os olhos são um trema e que é uma via graça, nasceu-me um sonh(o)arte - um sonh(o)arte é um campo fértil de significados -, nasceu-me um sonh(o)arte que desperta em mim o desejo e a nostalgia de coisas inexistentes e de ideias novas, de tal modo que, transcendendo o meu olhar sobre o mundo, me permite não só desenvolver relações harmónicas e coerentes com os outros seres humanos e com a natureza terrestre e com o universo em expansão quanto me facilita desligar do concreto, e: a esse sonh(o)arte associo certas impressões e um ror de coisas várias-únicas que adoro escrever, mas fraca escrita seria a minha se eu não tivesse em conta que tem origem nos sentidos o prazer que gera esse rosto de mulher, rosto que mantém em si (que mostra e que oculta) o que a sedução tem de mais individual em seu atavio inteligente (a marca indelével da sua autenticidade). Intuo por isso que um campo de significados só se me mostra (e só existe) se eu lidar activamente com ele, o significado desse rosto é o facto de ele me confrontar com o seu significado, significado que é um sonh(o)arte: é o seu significado que faz aparecer o rosto porque me põe diante dele e ao mesmo tempo o oculta, aparece na minha frente e esconde-me o facto de estar a ser visto, vejo-o como tal é e não vejo aquilo que realmente tenho pela frente. Quando observo durante muito tempo esse rosto que fala, um sentimento de inquietação invade-me como se estivesse em presença de um milagre: a realidade parece tornar-se sonho, e o sonho realidade. E, quando tal acontece, mando às malvas as tagarelices e as enfadonhas frioleiras que me perturbam o espírito e dou comigo a pensar que um rosto que é uma via graça, é um sonh(o)arte onde a expressão dos bugalhados olhos-trema se mostra e o sorriso se oculta. Agora sim, só agora estou em condições de escrever com música de violino e de cítara de prata em surdina, só agora me apetece contar recordações pessoais com palavras simples, quase infantis. Isso mesmo, as cordas do violino e da cítara já murmuraram os últimos acordes e este é o mais belo de todos os silêncios, é o silêncio que sucede à música. Sei, neste momento-único, sei que um sonh(o)arte é o que existe de mais real, só vem de nós o que tiramos da obscuridade que está em nós e que os outros não conhecem: e como a arte recompõe exactamente a vida, em torno de mim flutua uma atmosfera de poesia, a doçura de um mistério, que mais não é que a penumbra que atravassei num sonh(o)arte, num rosto em que os olhos são um trema, e que é uma via graça. Agorinha, mais não oiço que o jorrar tranquilo e leve da água límpida da fonte, sinto-me de bem comigo e muito bem com a minha consciência, gosto e gosto. Adoro, diria ela!

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