Divagações (soltas) à roda da beleza especial da rainha Nefertiti




























Não me parece, de todo, não me parece que deva enveredar por aí, ou, como quem diz, se quiser enverede, mas depois, se combalido, volte atrás e às duas por três dará de caras com o "efeito halo". Com o efeito quê? Perguntei à minha consciência, que me acompanhava numa comprida noite de insónia, a minha cabeça mais parecia um motor a trabalhar. E ela: leia lá esse estudo (acerca de como o cérebro responde à beleza) e, quando chegar ao fim, encontrará a resposta adequada à sua pergunta, assim: (...) "Por que ele faria isso? “As pessoas usaram a metáfora dos artistas como neurocientistas intuitivos, no sentido de que foram capazes de envolver os mecanismos cerebrais que fazem as pessoas ficarem interessadas, chocadas ou apaixonadas”, diz Nadal. Ele especula que Tutmés não estava atrás de realismo ou mesmo atratividade física quando fez sua obra-prima. Em vez disso, ele estava aproveitando o efeito halo, acessando o vínculo profundo que o cérebro faz entre a beleza e outras virtudes. “A beleza transmitiria as qualidades morais de Nefertiti, como bondade, justiça ou retidão”, diz Nadal. E como sabemos por relatos históricos de seu reinado pacífico e próspero, esta rainha era muito mais do que apenas um rosto bonito.". Muito bem, ripostei intrigado com a explicação daquele menoscabo, se sabe qual o estudo que eu estava a ler, então qual pensa que seja o caminho que eu pretendia seguir para depois escrever um texto-anão. Céus do Timeu!, que tamanha dificuldade!, trauteou com gentileza embrulhada num tropismo feliz, aí está: pretendia explorar as potencialidades do competente algoritmo Viola-Jones na detecção e reconhecimento facial, certo? Aferrado à ideia e banzado, respondi em júbilo que sim, que a inteligência artificial anda por aí e que eu, frisei, quase não percebia patavina. E de inteligência estética na vida quotidiana, já ouviu falar?, não ouviu!, suspirou, e disse com uma ligeira emoção que lhe modificou a sonoridade da voz: pergunte ao Piero Ferrucci, ele lhe confirmará que a inteligência estética quotidiana serve para curar a alma. Antes de desaparecer no alvor da manhã - raio de consciência a minha, que ciosa, esquiva e polímata é! -, ainda me segredou baixinho: claro que sim, conheci e privei com a rainha Nefertiti (Nefertiti é um nome tímido, ocioso e doce onde o amor crepita), a rainha era quase bela de mais (como às deusas convém), na imagem que agora lhe mostro atente na infinita graça do sorriso à flor do rosto, ela era um ser humano magnânimo, e a magnanimidade é no fundo a única coisa que importa e que nos distingue neste mundo, mais, só existem dois tipos de seres: os magnânimos e os outros (sem parcelas mínimas de sentimento). Não pode ter acontecido, repetia-me a mim mesmo, nem tanto ao mar e nem tanto à terra, a minha consciência não tem noção dos limites do tempo, diverte-se dia após dia no culto da imaginação, no seu quotidiano (dias inteiros, meses a fio, anos talvez) a vida espuma como vinho novo a sair da pipa, gosto e gosto, mas que sina a minha: falar com ela é sempre uma lufa-lufa ininterrupta!

Adenda
Porquê não sei, a verdade é que, depois de reler este texto, me veio à mente um soneto de Olavo Bilac, que começa assim: "Ora (direis) ouvir estrelas! Certo/Perdeste o senso! E eu vos direi no entanto/Que para ouvi-las, muitas vezes desperto/ E abro as janelas pálido de espanto..."

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