Realidades Políticas (1): tanto ontem como hoje, que sina!

Falta de bons pontos de apoio

O verbo governar tem de há muito o significado de transigir. É mau? será mau; pela nossa parte achamos que é; mas uma cousa são as inclinações do espírito de cada qual, outra as conclusões a que é necessário chegar quando se observam criticamente os elementos disponíveis. E é isso que apenas nos preocupa neste momento. Diz o colega que, se as cousas são como jornal semi-oficial as pinta, a responsabilidade cabe a quem comanda a barca. Nós temos opinião diversa. A responsabilidade não é de ninguém, porque de facto ninguém comanda; todos transigem. Declinar este verbo em todos os tempos: nisto se resume há bons trinta anos, com excepções breves, mas por isso mesmo honrosíssimas, a sabedoria governativa. Para haver poder é necessário que haja bons pontos de apoio. Onde? O país está nas circunstâncias do pilriteiro da canção. Talvez um dia acorde com fome de tanta indigestão, e nesse dia talvez dê força a alguém: antes não. O que quere cada uma destas parcelas do país a que se chama um cavalheiro? É ser servido sem curar do próximo. Futuro, sociedade, lei, interêsse público são meras frases desbotadas, no dicionário há uma palavra única - eu! Por tudo isto, o acto de franqueza da fôlha semi-oficial parece-nos louvável como o é sempre a franqueza; e se tivessemos a notar alguma cousa, não seria a opinião expressa ácerca da política, mas sim a prespectiva assustadora que nos propõe: "Durará isto ainda por muito tempo? É possível. No índivíduo é certo que estas agonias morais são menos lentas e caminham mais depressa à catrástofe. Nas grandes agremiações de homens, nestes vastos organismos sociais, estas decomposições levam muito mais tempo a resolver. Lembrem-se do tempo que decorre desde a comédia do Roussillon até 1820. Isto indica, independementemente de outro exemplo, a lentidão das públicas gangrenas, e quanto tarda, às vezes, a solução do mal." Deus, nosso senhor e pai misericordioso nos há de livrar por certo de outra caturrice como foi a de 1820. Se as cousas tiverem de chegar a apuros semelhantes, o caso há de ser mais falado e mais duro de tragar.

(Oliveira Martins, Repórter, 11- IX - 1888)

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