Está a chegar a Primavera!





































Que maravilha, demore-se na imagem que acabei de projectar na parede branca deste seu quarto com tecto de madeira centenária, é uma cópia de uma pintura oriental, uma cópia de uma vetusta tela que encontrei enrolada (encontrar qualquer coisa é tudo) dentro de uma ânfora-púcaro de barro, é uma tela que faz saltar aquela fagulha que provoca a curiosidade, há quantos tantos anos estará na ânfora, vida minha!, surgiu-me como um milagre em tempo de pandemia, tem a ver com a chegada da Primavera, trata-se de uma pintura para ver com os olhos da imaginação - vendo e inventando cada pormenor e sentindo a pulsação das cores - que linda e maneirinha, pois não é? Reconheci a voz que me acordava, apreciei a serenidade matinal, deitei uma olhadela interessada à imagem que enchia a única parede nua do meu quarto, e dei comigo a responder: sim, é uma imagem linda e maneirinha, mais parece o visível de histórias desconhecidas, mas diga-me por favor - sem se armar em guicha, imploro - o que é (ou possa ser) esta minha fadiga matinal, sabe? Belíssima questão, gosto, retorquiu altaneira, na Primavera os dias são mais longos, há mais luz natural e, surpresa, também há quem se depare e se assuste com os sintomas da astenia da Primavera - alergias; falta de energia e alterações do sono; dificuldades a nível de concentração e da memória; irritabilidade; diminuição da líbido; fadiga - mas não há motivo para tal; é o seu caso, pois não é? Acalme-se, não se atormente, mande esse seu sentimento moral obnóxio às malvas, para recuperar basta tão só ter algum cuidado: fazendo uma dieta alimentar variada com fruta e vegetais; evitando o excesso de cafeína e de açucar; não permanecendo em jejum mais de três horas; fazendo exercício físico pela manhã ou à tarde; bebendo cerca de 2 litros de água e dormindo 7/8 horas por dia; aprendendo a gerir o stress. Tinha-lhe pedido, retorqui, tinha implorado que não se armasse em guicha... Não me deixou concluir, e trauteou eufórica: sou assim, que quer, em mim os saberes - estético e poético e noético - vivem miscigenados e felizes, é assim que percebo as andanças do mundo, sou plural como o Universo, que se há-de fazer! Mas ainda há mais, continuou, deixo-lhe uma mensagem que deve descriptar, esta: a astenia da Primavera tem solução, mas importa aprender a apreciar a fadiga que resulta de os seres humanos não saberem orientar as suas vidas, aprender a apreciar aquela fadiga que é signo da condição humana, aquela fadiga que é chão fértil para uma ubérrima tirada cartesiana: "Fatigo, ergo sum". Abri de uma vez a minha janela de guilhotina, cedi à tentação do longe e demorei os olhos na verde e florida linha de horizonte sem névoa, e desabafei comigo: quão tão verdadeiro é o milenar adágio  "A Primavera o cérebro altera"!

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