"Resposta à covid-19. Responsabilidade"

(…) ... nos últimos 20 anos, o panorama da saúde pública é de progressiva fragilidade. Apesar das tentativas e dos esforços de alguns ministros, o insucesso foi a regra. Mesmo medidas enunciadas em programas eleitorais não foram cumpridas. Cortes orçamentais inexplicáveis, cativações nunca descativadas, ausência de investimentos, ignorância sistemática da componente preventiva, sucessivas reformas penalizadoras da DGS e da rede de saúde pública. (...)

Breves notas em rodapé

O texto acima - retirado daqui -  parece aconselhar uma aproximação ao pensamento de Hans Jonas, desenvolvido no excelente livro "O Princípio da Responsabilidade". Hans Jonas enquadra a teoria ética da responsabilidade entre a ética dos princípios da moral e a ética prática (teoria política). Sendo a responsabilidade o correlato do poder, o dever decorre do poder - deves porque ages e ages porque podes -, "o exercício do poder sem a observância do dever é uma actuação irresponsável". Acresce que, considerando a modificação do agir humano, a responsabilidade própria dos políticos adquire um significado novo com novos conteúdos e com alcance no futuro nunca imaginado.

Pergunta: até onde se estende a responsabilidade política no futuro? Por um lado, ao contrário da responsabilidade parental, não há um prazo estabelecido pela natureza do seu objeto; por outro lado, “essa responsabilidade é sobrecarregada pelo excesso de resultados causais em detrimento do conhecimento prévio; portanto, arca com mais consequências do que as que lhe deveriam ser imputadas formalmente”. Assim, como decorrência do imperativo ético geral equacionado por Hans Jonas, a primeira responsabilidade do governante é garantir a continuidade da arte de governar, arte de governar que seja possível no futuro: não impedindo que nasçam e que sejam recrutados novos líderes da sociedade. A aplicação prática destas considerações são os planos plurianuais dos governos, que se concretizaram a partir do século XX, onde se destaca a questão da representação das gerações futuras: como serão representadas as gerações futuras nos planos plurianuais dos governos?

Segundo Hans Jonas os procedimentos das democracias da época ("O Princípio da Responsabilidade" foi publicado em 1979) permitem tão só que sejam ouvidos apenas os interesses atuais, o futuro não está representado em nenhuma instância, não pode fazer “lobby”, de modo que os atuais governantes, os que devem prestar contas às gerações futuras, “não têm por ora nenhuma realidade política diante de si no processo de tomada de decisão”. Assim se entra numa dimensão mais profunda da ética da responsabilidade, que somente com os sucessores de Hans Jonas foi possível desenvolver.

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