..., a tirania do contra agrada-me mais do que a tirania de seguir.
Meu caro Amigo
Do
que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe
disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de
que valem todos os erros se forem cometidos segundo o que pensou e
decidiu do que todos os acertos, se eles
forem meus, não seus. Se o criador o tivesse querido juntar muito a
mim não teríamos talvez dois corpos distintos ou duas cabeças
também distintas.
Os
meus conselhos devem servir para que
você se lhes oponha. É possível que depois da oposição venha a
pensar o mesmo que eu; mas nessa altura já o pensamento lhe
pertence. São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão
contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que
verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhe: a de se
não conformarem.
A
réplica, como você já está vendo, também é fácil; se o meu
desejo é sempre de que se não conformem, se quero neles a mesma
força que existe ou desejaria que existisse, sou tão inquisitorial
como qualquer outro. Todo o mestre (deixe-me pôr o caso como
que impessoalmente e sem de modo algum pretender ser mestre), todo o
mestre quer os seus discípulos iguais a ele, mesmo quando parece
dar-lhes a maior liberdade.
Dirá
o Luís que seria talvez o modelo de mestre o que, por exemplo, não
ser do tipo conformado os reconhecesse e quisesse a todos, de
qualquer tipo que eles fossem; agora ponho eu objecções: querer
tudo, tudo aceitar mas de dentro, sinceramente não apenas em
palavras ou em atitudes de superfície não é ser conformado nem o
contrário. Não é não ser nada: é ser tudo, como Deus. Claro está
que Deus é o grande mestre: chove sobre o justo e o injusto. Mas nos
mestres da terra, se não os alargarmos às proporções divinas,
isto é, se os não fazemos desaparecer, há sempre uma semente de
tirania.
Se
sou mestre, não posso fugir à fatalidade. Supostamente, a tirania
do contra agrada-me mais do que a tirania de seguir. Oponha-se sempre
que possa. Dar-lhe-ei o conselho de se opor, mesmo quando lhe parece
que tenho razão? Não me parece mau como exercício. Mas as melhores
ginásticas deformam, se são um vício ao contrário. Não andar
pouco, não andar muito. Toda a vida bem vivida, harmoniosamente
vivida, vivida sem faltas, sem medidas, com felicidade, com
serenidade, é uma vida medíocre. Tudo o que passe do medíocre tem
em si o excesso e o erro. Feche, pois, os ouvidos ao que lhe ensino,
se alguma coisa lhe ensino; faça a viagem por sua conta e risco,
você mesmo ao leme; se tivermos naufrágio, far-lhe-emos uma Elegia
Marítima:
duas páginas de versos todos cheios ao ritmo das vagas e desse
estranho soluçar do vento nos altos mastros do navio.
Agostinho
da Silva
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