Um estado de coisas é pensável: podemos fazer dele uma imagem

Henri Matisse. Spray of Leaves
(mensagem recebida)
Nem pensar que tal iria acontecer, nem imaginar me ocorreu, meu caro admirador de mim (eleita por um deus no quente começo do mundo) e meu ainda preferido admirador da minha singular e jovial perspicácia de velha cepa, não tinha uma ideia segura, não sabia, mas desconfiava que os meus sonhos eram mais que sonhos. Foi assim. Enlevada, olhava eu para a dança de corpos do Matisse (que ilustra o écran do meu computador), o corpo (sei-o bem) é um objecto especial onde o universo e o mundo e os outros ressoam, e sei eu lá bem porquê (às tantas até sei, naquele momento caíram ao chão umas folhas de papel branco), lembrei-me de um outro quadro do Matisse (acima na imagem) "Spray of Leaves": um tufo de folhas que vejo flores e me soam a badaladas de sino em dia de festa rija. E adormeci. Tinha almoçado bem e, juro-lhe, tinha apenas degustado um copo (de pé alto, óbvio) de um vinho planalto que eu cá sei. Daí até eu começar a pensar num remanso com cestas e rosas, cachos de uvas, folhas de vide entrelaçadas em convívio ameno foi um saltinho, imaginei-me a planar numa leve brisa e aninhar-me (poisando) num côncavo entre montes até a um rio protegido por uma sebe de hidrângeas em que o azul explodia. Acordei e, vida, com a minha sageza sobressaltada dei comigo a dizer: tudo isto aconteceu num sonho que tive, só pode ter acontecido. Hum, respirei fundo escolhendo a horas no calendário da alma, e fui à pesca na minha memória, encontrei as linhas ingoldianas, pesquei-as, e por lá andei durante um bom bocado, céus, em tempo e destino sou um sentimento que pensa. Só que (deuses, o "só que" encanita-me) aquilo de ter pensado que foi num sonho que me senti num remanso de tempo em que tive a certeza que a natureza (rimou, ups!) me havia escolhido como sua interlocutora e me tinha segredado que dormir (a verdade é que ela disse "passar pelas brasas") condizia com a matéria dos sonhos porque nós seres humanos (e mais uns quantos outros animais que em tempos de pandemia também sofrem fome e sede em terra de cardos e caminhos) estamos acordados quando dormimos, podendo dessa forma, através de paisagens de dentro e com narrativas saramaguianas (sem pontos nem vírgulas) ter a oportunidade de privar com o universo ainda por polir, até me sugeriu que lesse este estudo. Li e reli, amochei, sensibilidade minha, parece que sim, que o perspicaz e amargurado filósofo L. Wittgenstein sabia do que falava quando, no "Tratactus, 3001", escreveu: "Um estado de coisas é pensável: podemos fazer dele uma imagem". O que ele não sabia, ele que estudou a linguagem e que se divertiu bastas horas no areal das palavras, isso ele não sabia, não sabia que quando dormimos estamos acordados, vinha, digo, vida minha, o que me havia de acontecer, só a mim, que se há-de fazer, sou assim, nasci assim, adiante que o dia me chama, cuide-se, vai estar um dia de muito calor, beba água e coma fruta: sabia que são os frutos que guardam a doçura do sol e o perfume das estações do ano? Sabe. Óptimo, gosto, e gosto!

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