Noite fria, pós-verdade e estorieta de Natal

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(Mensagem recebida)
Bom dia, meu admirador ciumento de mim, ontem cheguei hoje (paradoxo!) a casa e, brr, está frio e eu incomodada comigo (que necessidade tenho eu de ser como sou?), ups, cama para que te quero! Enquanto agora (deitada) lhe escrevo, faço figas para que o sono não chegue sem aviso prévio. Sei, claro que sei, estamos em tempo de Natal. Decidi, por isso, enviar-lhe uma pintura que aqui pode apreciar melhor. Adiante, quero dizer parênteses. Vá lá saber-se porquê (quem sabe o andamento da escrita o desvele), lembrei-me de (há muitos anos) me terem dito que tenho olhos de Ava Garden, fui pesquisar e deliciei-me com as fotografias dela, era linda. Mais (e não é para me gabar, que isso nunca faço) muitos me compararam, digo, comparam com actrizes bonitas, adiante, fim de parênteses. Dizia eu, antes do parênteses, que estamos em tempo de Natal, e, quem sabe por causa da idade que vai andando, ocorre-me uma história (tudo bem: uma estória) à lembrança. Vamos lá, eu era uma menina muito pequenina e os meus pais compraram, por esta época, um pinheiro que colocaram dentro de um vaso alto com areia, à entrada da sala: era a minha primeira árvore de Natal. Nossa Senhora, achei admirável ter dentro de casa uma árvore que cheirava bem. A minha mãe (é linda, é muito linda a minha mãe!) tinha comprado várias caixas de enfeites, bolas grandes e sinos e muitas fitas coloridas. Eu e o meu pai, que tinha uma paciência e esmero (sem fim) no intento, enfeitávamos a árvore, a minha mãe trazia algodão, eu fazia bolinhas que ela espalhava pelos braços do pinheiro e: vês, esta é a neve. No final de tudo, espalhávamos as luzinhas. Foi assim a primeira vez que tive uma árvore de Natal; e também nos outros anos, nos muitos anos seguintes. Era lindo! Abrevio, adiante... Naquele primeiro Natal, com o pinheiro carregadinho de enfeites, fiquei tão comovida e tão feliz que não deixava de admirar o pinheiro, ao ponto de ser difícil convencerem-me a dormir. Céus, tanto me recordo! Aí por volta das cinco horas da manhã, entrei no quarto dos meus pais, abanei o pai, agarrando-o pelo braço até acordar. Então, que foi? Perguntou ele. Eu chorava, com suspiros profundos de tristeza anunciando uma calamidade sem remédio: pai, a árvore caiu, e agora?! Aquele meu ar de sábia mártir de narizinho empinado não é de agora, é de sempre: pai, e agora, o que é que vamos fazer?! Óbvio: a árvore de Natal tinha tantos enfeites que, mal equilibrada, sucumbiu ao peso e..., tungas, tombou para o lado. E eu que me tinha esgueirado da cama para a ver brilhar e fazer pisca-pisca quase que sentia o meu coração a saltar do peito com o desgosto e com o medo de tal maravilha se ter perdido, sem remédio. O meu pai levantou-se (rico e adorado pai, adoro-o) e ajeitou o pinheirinho. E, Santo Menino Jesus, para mim, o mundo voltou a ficar perfeito. Podemos agora ir dormir, linda? Perguntou-me o meu pai. Que alívio, respondi, está tudo remediado, sim, está bem, eu vou dormir... E foi assim, meu admirador ciumento e zangado (e com razão: o Michio diz que as nossas duas mentes comunicam e eu desconfio que sim, até penso que o que nos caracteriza é o nosso pensamento partilhado), foi assim que senti e vivi e guardei na memória a minha primeira árvore de Natal.
Adenda 1
Contei-lhe, meu (por enquanto) ainda admirador de mim, contei-lhe uma minha estorieta de Natal que (creio) terá apreciado. Fui assim, sou assim, de uma plasticidade desarmante, a esta hora faço confidências, que quer (malditas vírgulas), não minto, mas omito o que e tudo (e quando) me dá jeito, vivo na era da pós-verdade. Sou assim e não gosto de ser assim, mas que se há-de fazer? Sabe? Eu não quero saber!
Adenda 2
Meu admirador, meu admirador ciumento, nem lhe digo e nem lhe conto, vida, reli a minha mensagem (onde mora a minha deliciosa estorieta de Natal) e reli a adenda, céus, veio-me à lembrança este bruxo, vida minha, oiça-o com atenção. Sabe o que é um "daimon"? Não?! Surpresa minha nenhuma! Se a cultura é um exercício espiritual? Então não, óbvio que sim!

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