Cada obra de arte tem uma certa ambiguidade
Eric Kandel (Prémio Nobel de Medicina em 2000) é o autor de um livro (publicado em 2012), onde - de forma criativa - articula e concilia (i) a sua experiência de cientista (especialista em memória) do cérebro, (ii) o seu vastíssimo conhecimento em psicologia e (iii) a sua paixão pela arte. Excelente livro para se fazer uma aproximação à "neuroestética" (disciplina que pretende conhecer e perceber as bases biológicas da percepção estética). Transcreve-se uma pequena parte de uma entrevista que ele (em 2012) concedeu à revista Valor.
(...)
Revista: A investigação científica tem mostrado que o cérebro
conservou vias de reconhecimento de linhas, rostos e movimentos orgânicos. Além
disso, as reações emocionais são respostas previsíveis de vias internas
específicas ativadas por estímulos externos. Então, por que as pessoas reagem
de forma diferente quando expostos a uma mesma obra de arte?
E.Kandel: É
porque o cérebro é uma máquina criativa. E cada obra de arte tem certa dose de
ambiguidade. Ambiguidade significa que você pode interpretá-la de diferentes
maneiras. Você e eu, ao olharmos para a mesma pintura, vamos interpretá-la de
maneira ligeiramente diferente. Nós temos experiências históricas diferentes,
você teve uma vida diferente da minha. Então, quando olhamos para a mesma
pintura, você escolhe seguir diferentes associações, diferentes ideias,
diferentes origens históricas, o que a ajuda a apreciar o processo e desfrutar
o trabalho de arte. Então, você responde diferentemente.
Revista: Com
a neuroestética, não corremos o risco de perder o apelo poético
da obra de arte com tantas explicações técnicas?
E.Kandel: Não,
as explicações não se repelem, não se substituem. Quando olho a beleza de uma
pintura, eu vejo a beleza. Mas, adicionalmente, tenho um pouco mais de
conhecimento sobre por que respondo à beleza, quais os caminhos que levaram a
isso. Mas minha resposta inicial é a beleza por si.
Revista: No
renascimento, Leonardo da Vinci criou o famoso aforismo que diz que “a pintura
é uma coisa mental”. Mais tarde, Marcel Duchamp foi um dos artistas que
enfatizaram esse conceito. Depois de anos analisando o cérebro humano e
recentemente estudando artistas como Klimt, Schiele e Kokoschka, o senhor pode
dizer que o sentido de beleza está enraizado no cérebro?
E.Kandel: Tudo
está enraizado no cérebro. Quando escuto você e vejo seus comentários
inteligentes, isso está enraizado no seu cérebro e no meu cérebro.
Revista: Como o
conhecimento sobre o cérebro nos ajuda a entender o processo criativo?
E.Kandel: Temos
uma compreensão muito limitada do processo criativo. Temos que aprender muito
sobre o assunto. O que sabemos é: número um, que o processo criativo
normalmente vem até a gente em momento de relaxamento. Se você trabalha em um
problema, se continua a trabalhar nele, muitas vezes, não tem progresso. Mas,
se deixá-lo, sair para caminhar, ir a uma festa, beber uma taça de vinho, tomar
um banho, dormir um pouco e despertar, a solução vem até a gente. Tome um
banho, suba uma montanha. Nos momentos de relaxamento, enquanto se está
trabalhando, “insights”
ocorrem. Esse é o número um. O número dois é a velha ideia de que o lado
esquerdo do cérebro está ligado à lógica e o lado direito à música, à
brincadeira, à criatividade. As pessoas pensam que esse é um ponto de vista
muito romântico. Acontece que, embora seja uma tremenda simplificação, há
alguma obviedade nisso, pois o lado direito do cérebro é uma área que tende a
ser mais recrutada durante os períodos de “insights” e criatividade.
(...)
Adenda 1
Na imagem: capa do livro de Eric Kandel e quadro a óleo (Judit I) de Klimt.
Adenda 2
Há dias em que a música de Chopin me é necessária, há dias assim!
Adenda 1
Na imagem: capa do livro de Eric Kandel e quadro a óleo (Judit I) de Klimt.
Adenda 2
Há dias em que a música de Chopin me é necessária, há dias assim!
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