As três formas de comunicar: silêncio, gesto e palavra
Acordei, é já costume
antigo, às seis da manhã, madrugada fresquinha. Varri com os olhos as paredes do quarto, entrei dentro
do meu quadro preferido (onde moram e se demoram desenhos rabiscados) e concentrei-me-me
no tecto de madeira velha: vi três traves mestras seguras, alguns barrotes
redondos e várias tábuas lisas. Vá lá saber-se porquê, veio-me à cabeça que o
tecto do meu quarto com janelas guilhotina era naquele momento o olho de Deus. Acertaste, ouvi-o dizer. Mau,
respondi, tu não falas, nem nunca ouvi dizer que tal pudesse acontecer, um tecto a falar, não. Eu,
interrompeu ele, represento aqui o silêncio que é Deus no mundo, o silêncio é a primeira e a mais
importante forma de comunicação; e, se duvidas, continuou afirmativo, arrisca e vê a imagem e ouve o som do
nome que agora aparece na tua mente, as letras e o som constituem uma unidade; mais, diz lá se as letras e o som (do nome que vês e ouves no silêncio) não são a expressão perfeita para um corpo (com cara e olhos grandes e narinas finas e linhas
sinuosas onduladas sob colinas suaves e pés de fada) que agora já estás a admirar, diz lá... Digo
que sim, arrisquei, digo sim, que sim, digo que o silêncio é a primeira forma de
comunicação, estou vencido, ganhaste, e a segunda forma de comunicação: qual é? Riu-se,
um tecto a rir, pode lá ser! Isso, isso mesmo, ouvi-o galhofar distintamente, estás a ouvir-me no silêncio,
vamos lá, não é por uma qualquer razão fortuita
que a minha mãe é arquitecta. Interrompi-lhe o discurso: a tua mãe é arquitecta? Desatei a rir, não me contive, levantei-me
estendi os braços tentei fazer algumas flexões. Bela e criativa e descabelada forma de
mostrar a tua preguiça matinal, tasquinhou ele, e divertido disparou: gestos teus de preguiça, conseguidos, comunicação
perfeita, como eu (paciente) te aturo todos e cada a dia, o gesto é segunda forma de comunicação. O gesto, o gesto? Belisquei-me. Ainda eu trocava
pensamentos, a fim de lhe perguntar se para além do silêncio e do gesto, não seria a palavra (através da linguagem) a verdadeira e única forma de comunicação, já o tecto me dizia que a palavra
(dita ou escrita) é apenas a terceira forma de comunicação, e desafiou-me: vá, diz em voz alta
o nome de emoções transparentes (e inteligentes) que está na tua mente, adivinha a sua intenção linda e mimada, deslumbra-te nesse nome que te habita e deixa-te guiar. Assim
fiz... Senti (o tecto) a rir-se a bandeiras despregadas e, no silêncio, segredou-me:
repara no que estás a fazer em silêncio e com esses gestos manuais frenéticos, calma, tudo bem, viva a leitura espinosana da imanência da vida, faz-te bem mas não exageres, sempre alivias essa tua desvairada tensão matinal, muito bem, chiça, viva o conseguimento... Ponto, e mais não conto, ponto.
Adenda (mensagem recebida)
Santo Deus, meu admirador de mim, vê-se logo (a vista desarmada) que é o meu nome que habita, digo, sou eu que vivo na sua mente, céus, tanto sorri ao ler a parte final do seu texto, até deixei cair o n de tensão, que alívio saber que (com excepção do mundo inteiro) apenas nós os dois lemos esta minha mensagem, adiante. A sério, diverti-me com a perspicácia do tecto do seu quarto a falar no silêncio, vida! Se os tectos falassem com gestos ou palavras, (creio eu que) diriam que é importante que todos conheçam melhor os sentidos e que explorem o mundo através do silêncio Deus. Eu, que não sou de modas e nem me acanho, penso que há diferentes formas de fazer isso e a música é uma delas, cria um espírito bonito, tipo mim, que lhe parece? Leitura espinosana da imanência da vida, que é lá isso? Tem a ver comigo? Tu queres ver que sim, céus, gosto e gosto e gosto!
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