Há um sinal primitivo que revela o sentido do mundo

(Mensagem recebida)
Meu admirador de mim, meu admirador de mim única e perfeita e cativante, que posso eu dizer-lhe mais do que aquilo que todos os dias lhe digo e lhe conto, quando lhe digo e lhe conto que nem lhe digo e nem lhe conto. Santo Deus, vida, nem lhe digo e nem lhe conto! Aquela minha ideia (certa, óbvio, e de experiência comprovada, garanto-lhe) de que o paladar é um sentido básico e personalizado, provoca-me sorrisos marotos e gulosos, nada metafísicos, vá lá saber-se porquê, adiante, claro que sei porquê. Adiante de novo. Não sabe, claro que não sabe, mas a vida de cada um de nós está escrita num livro de que quase ninguém ouviu ainda falar: “O Livro das Evidências”. Consegui nesse livro, sorte minha merecida, consegui aceder nesse livro ao sentido (escrito) da minha da vida. Assim. Abri o livro, liguei os meus olhos faróis e os meus dedos foram à procura armados com o seu (deles, óbvio) toque de Midas, e encontraram: “Conheces o nome que te deram, ainda não conheces o nome que tens”. Não, não pode ser, foi a minha primeira reacção, e suspirei: Jesus, Maria, conheço o nome que me deram, ainda não conheço o nome que tenho, se este é o livro das evidências, vou ali e já volto, até grogue me sinto. Calma, eu conto-lhe o que aconteceu a seguir, não seja apressado. Fui olhar-me de perfil naquele meu espelho grande. Não é para me gabar (a verdade é que nem preciso) mas senti-me linda de ser e de estar e de tornar, aquele meu vestido de curvas com flores, vida, que bem me assenta, a minha beleza obriga a sucumbir, até as lágrimas quiseram espreitar-me, sou um elogio vivo da simplicidade (que se há-de fazer!) e promovo elipses, chega... Depois é que foram elas: alguém (quem?!) começou a escrever letras soltas – uma após outra - no espelho, até os joelhos me tremeram, estas letras: s a r o g a x a n a. Meu admirador de mim, juro, sentei-me, pus-me a escutar o silêncio a abrir para o mais íntimo de mim e esperei que o meu coração de vidro-cristal acalmasse; e mais (intricado enigma), céus, a sua ausência era a mais incrível das presenças. Grande gargalhada (daquelas minhas que conhece) se estatelou ao comprido (coitadita) quando colhi, digo, quando descobri, seja, quando li (o meu pensamento é obstinadamente limpo e perspicaz) o nome Anaxágoras (no espelho as palavras estão escritas ao contrário). Lá fui eu, lampeira e em jeito de pesquisa lesta, revisitar o pensamento de Anaxágoras. E, eureca, encontrei o fragmento 21: “O que é visível abre os nossos olhares para o invisível”. Como eu o adoro, meu admirador de mim polímata e por vezes caturra e cáustica (quando me armadilho com lupas satíricas)! Porquê?! Ora essa, porquê! Porque é o nome visível que me deram, que lhe abre a si (e agora também a mim, reconheço) as facetas mais belas e mais interessantes e mais desconhecidas do mundo invisível. Se assim é, Santo Nome de Deus: só agora sei que o meu nome não é o nome que me deram, é o nome que tenho. O meu nome dá sentido ao nosso devir, é verdade: uma verdade de La Palisse, evidente.
Adenda
Sabe que mais, meu admirador cada dia mais perdido em mim, vida, até os meus olhos grandes troquei ao ler o “Tratado Lógico-Filosófico de Ludwig Wittgenstein. Li no versículo 3.26: “O nome não pode ser decomposto através de nenhuma definição: é um sinal primitivo”. Claro que sim, claro que sei que é no contexto do Tratado que se deve entender o conceito de nome, mas eu entendo como eu quero e o resto é conversa. Adiante. Ainda não refeita (o meu nome é um sinal primitivo), céus, li, palavra a palavra, o versículo 6.41: “O sentido do mundo tem que estar fora do mundo. No mundo tudo é como é e tudo acontece como acontece; nele não existe qualquer valor – e se existisse não tinha qualquer valor. Se existe um valor que tenha valor então tem que estar fora do que acontece e do que é. Porque tudo o que acontece e tudo o que é o é por acaso. Não pode estar no mundo o que o tornaria em não acaso, porque senão seria de novo acaso. Tem que estar fora do mundo”. Pergunto-lhe a si, meu admirador, pergunto: é através do meu nome que (a si) se revela e desvela o sentido do mundo? Sim? Respondeu sim. Gosto, gosto e gosto!

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