Há um conceito que é uma tríade fatal: há, pois há...
Parece ser difícil, mas
não é. Parece ser difícil separar a definição de beleza de arte, há quem, que
muito sábio se julga, continue a ter essa dificuldade: é o seu caso, meu
admirador de mim que ostento (dia sim dia sim e todos os outros dias) uma multiplicidade de atributos? Manhã,
manhãzinha de Agosto, assim a modos que a dar para o frio, e a única fada que
pouco dorme, armada em guicha, a azucrinar-me o pensamento com uma pergunta sobre a separação entre beleza e
arte! Puxei o meu lençol de linho velho e tapei-me, soube-me bem o calorzinho. Ela sorriu divertida, e eu percebi. Estava linda, cabelo apanhado, olhos grandes a perguntar, e tão torneada de formas,
adiante: mas sim, é mesmo verdade, confirmo que ela ostenta (sempre e em qualquer circunstância) uma multiplicidade de
atributos. Não, não é o meu caso, respondi-lhe: algumas obras de arte não são
necessariamente belas, por exemplo, as obras de Francis Bacon, penso que, sendo assim, quando falamos de beleza não falamos necessariamente de arte. Que finório raposinho,
retorquiu, é mesmo assim; aceite então continuar a nossa conversa partir de uma
definição neurobiológica de beleza, esta: “uma actividade numa parte muito concreta
no cérebro”. Mau, disparei, a beleza radica numa actividade do cérebro? Mau: se a beleza não está associada a características
exteriores (externas) da realidade, porque é que referiu (e eu confirmo) a sua multiplicidade de
atributos tão visíveis e tão pouco à mão de colher? Sorriu, e: calma, não se enerve e nem se acanhe, aventure-se. Daqui, céus, suspirou, uma
parte do seu lençol de linho parece uma tendinha de índios de um livro de desenhos
animados; acalme-se, aquela definição é apenas um primeiro passo, seja: quando olha
todos os meus atributos (atributos tão à vista que não é conveniente
descrevê-los dado o seu estado de aflição), adiante; é certo que várias zonas
do seu cérebro se activam (especificamente o centro de prazer e parte do centro
emocional) quando me olha com essa fome de mim, mas registe que é na ligação entre
vários sentimentos de beleza que mora um conceito que é uma tríade fatal. Um
conceito que é uma tríade fatal? Senti-me a
perguntar, embasbacado. Isso, ciciou enquanto o meu lençol dava às de vila Diogo, sim, há um conceito que é uma tríade fatal: beleza, desejo e amor. E, continuou em surdina, o interessante é
que a beleza, o desejo e o amor implicam uma actividade neurológica na mesma
parte do cérebro. Mudo e quedo e aflito, sabia lá eu o que fazer ou ripostar. Falemos, sugeriu ela, falemos agora de criatividade, o cérebro é um órgão plástico e criativo, precisa de acção, está sempre em busca de conhecimento. (…). Tenho
que ir, despediu-se sem pressas, a manhã e o dia me chamam, mas ainda lhe digo que em toda a
literatura universal (sobre o amor) aparece aquela tríade fatal: começou em Platão e
depois foi um ver se te avias (muitos e muitos escreveram) ao longo de toda a história ocidental. Mais, meu admirador estafado (ups): também na literatura
islâmica e hindu encontrará os mesmos atributos. Os atributos que eu sinto em si: atributos de beleza exterior e de beleza interior? Perguntei em jeito de quem sabe a resposta. Nem mais, meu admirador de mim perfeita e única, de mim que sou esmeralda prendada antes de
nascer: nasci numa estrela longínqua há muito e muito tempo, sabia? Há um conceito que é uma tríade fatal: há, pois há...
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