Modelo de apoio à Vida Independente
Eis um livrinho (publicado em Agosto de 2016: bem documentado e bem escrito) que importa ter
presente, quando se ultima (em Portugal) a versão final do modelo de apoio à Vida Independente ((aqui a versão inicial (que esteve em discussão pública), cujos contributos de melhoria se desconhecem)). Trata-se de uma versão inicial: fraca, fraquinha, demasiado assistencialista, excessivamente burocrática. A título de exemplo: os cuidadores não podem ser familiares e nem podem ser escolhidos directamente pelas pessoas com incapacidades. Pode ler-se nas três últimas páginas do livrinho:
"A Vida Independente tem-se sedimentado internacionalmente enquanto a ideia de que as pessoas com deficiência devem ter controlo sobre as decisões que dizem respeito às suas vidas. Trata-de proclamar o direito a viverem em contextos em que não sejam subjugadas pelas lógicas de dependência do cuidado familiar ou das soluções oferecidas em contextos institucionais que, sem atenderem ás suas especificidades, as colocam numa situação de vulnerabilidade impedindo-as de tomar decisões em relação à suas vidas. Como referem Barnes e Mercer a Vida Independente significa "todas as pessoas com deficiência terem a mesma escolha, controlo e liberdade como qualquer outro cidadão - em casa, no trabalho e como membros da comunidade (...) significa que qualquer assistência prática disponibilizada às pessoas com deficiência deve ser controlada pelos próprios" (2006:33). Como têm frisado as organizações de pessoas com deficiência a nível internacional, ser independente não significa fazer tudo por si próprio, significa sim ter escolha e controlo sobre tudo aquilo que lhe diz respeito. (...) Em países como os Estados Unidos da América, esta exigência tem estado na vanguarda das reivindicações do Movimento de Pessoas com Deficiência desde o final da década de 1960, datando o primeiro Centro de Vida Independente de 1972. No Reino Unido, a luta pelo direito à Vida Independente afirmou-se na década de 1980 em articulação com as reivindicações pelo estabelecimento dos pagamentos directos e criação dos orçamentos individualizados. (...) Em Portugal trata-se de uma reclamação relativamente recente no âmbito do Movimento das Pessoas com Deficiência, datando do início da presente década de 2010 e tendo o primeiro Centro de Vida Independente sido criado em Lisboa em 2015. Uma política consequente nesta área, como tem sido largamente reivindicado pelo Movimento das Pessoas com Deficiência, a criação de medidas que promovam os pagamentos directos às pessoas com deficiência. Só através desta iniciativa (por oposição aos pagamentos às instituições prestadoras de serviços) será possível às pessoas com deficiência recuperarem o controlo das suas vidas, permitindo que cada cidadão possa definir quais são as suas necessidades e prioridades em termos de apoio, possa escolher a pessoa que lhe presta esse cuidado, definir como pretende que este lhe seja prestado e tenha a liberdade para escolher outra pessoa caso o apoio prestado não corresponda às suas expectativas. Aqui, como em tudo, deve ser salvaguardado o poder de escolha e decisão das pessoas com deficiência e deve ser garantido o controlo, a autodeterminação e a autonomia sobre aquilo que lhes diz respeito."
Se a versão final do modelo de apoio à Vida Independente vai ter em conta o acima descrito? Não, não vai. Não vai, por três razões:
- uma (clara), porque o investimentos em Centros de Apoio à Vida Independente resulta do acesso a verbas dos Fundos Comunitários Portugal 2020 (15 milhões de euros);
- outra (escura), porque se parte do princípio que ser IPSS é garantia de qualidade social de prestação de cuidados (quando é que haverá coragem para auditar as actividades de todas as IPSS?);
- outra ainda (obscura), porque a maior parte das senhoras e dos senhores deputados são uns ilustres (e bem remunerados) desconhecedores das políticas (internacionais, comunitárias, digo, europeias e nacionais) de intervenção social junto de pessoas com deficiência e suas famílias).
Se a ideia de desenvolver projectos piloto anestesia a opinião pública (e publicada), e até as opiniões mais informadas e seguras? Sim, anestesia.
Adenda
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