Sobre a técnica e a mente: sete notas a tiracolo

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Ele não sabia bem onde o conduziria esse poder; poderia fazer com ele tudo ou nada, tornar-se, graças a ele, um criminoso ou um salvador do mundo. É esta, mais ou menos, de um modo geral, a situação psíquica que assegura ao mundo das máquinas e das descobertas reforços sempre frescos. (Musil, R. 1943. O Homem sem Qualidades)

Em qualquer caso, ultrapassada a hegemonia da pele e da cabeça, podemos ser capazes de nos ver com mais certezas como criaturas do mundo. (Clarck, A. & Chalmers, David. 1998. The Extended Mind)

Em termos práticos creio que, na actualidade, é necessário investir mais dinheiro, mais energia, mais esforço, para compreender a mente humana e não só entender o cérebro e o corpo humano. (Harari, Y. 2016. Entrevista à TVE)

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É um desafio interessante, partir de uma entrevista recente (esta) para fazer uma aproximação à leitura de um artigo seminal (este): trata-se de um dos textos mais interessantes no debate filosófico sobre tecnologias e ferramentas e sobre o seu “influxo” na mente humana... Como pano de fundo, há que considerar o mundo da ciência, da técnica e das descobertas científicas (a ciência é uma técnica).
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Com o desenvolvimento da técnica e das descobertas científicas, acontece um rompimento do ser humano com o mundo natural e desenvolve-se um mundo artificial: um mundo próprio graças a uma imposição de extensões tecnológicas ao corpo humano. Estas extensões são interface (mediadores que incurtam distâncias) entre os dois mundos (natural e artificial): são artefactos técnicos humanos.
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Nesse pano de fundo, talvez tenha utilidade (quem sabe) uma releitura da Nova Atlântida (1647) de Bacon e uma visita à “Casa de Salomão”, onde nos deparamos com algumas páginas proféticas. Assim sendo, é difícil não pensar em aviões, submarinos e modernas embarcações quando Bacon faz com que o padre da “Casa de Salomão” diga: “imitamos também o voo das aves; somos bem sucedidos ao conseguir voar no ar; temos barcos e barcas para navegar debaixo da água e para resistir às tempestades marinhas, cintos de segurança e aparelhos para nos mantermos a flutuar”… Ou ainda não imaginar as modernas técnicas agrícolas e até os (discutidos) organismos geneticamente modificados quando se descrevem os grandes pomares e jardins: “conseguimos, através de meios artificiais, que as árvores e as flores floresçam antes ou depois da sua estação correspondente, e que dêem fruto com mais rapidez do que o normal; conseguimos que adquiram tamanho maior do que o natural, e o que o seu fruto seja maior e mais doce e com um gosto, cheiro, cor e forma diferentes do que os da espécie originária”.
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Obviamente que, ainda nesta linha, o pensamento de Heidegger sobre a técnica antiga (produção) e a técnica moderna (provocação) nos convida a parar, seja: para a técnica antiga, a natureza desvenda-se como produção a partir de si própria (poesis) e com a técnica moderna (acabamento da metafísica)  a natureza desvenda-se como fundo, e é o fundo que se desvenda: percebe-se, o que está em causa é, através deste fundo, um modo de desvendamento/desvelamento) do ser. Um fundo aberto ao acto de encomendar: e é neste encomendar (do ser humano) que a natureza se transvasa para o espaço e o tempo da técnica (que provoca o ser humano), lhe aponta um caminho, um destino e o perigo - mas é no perigo que mora a salvação - . ((Gestell (andaime, estante, esqueleto) é um conceito central que unifica tudo o que é apresentado sobre a técnica moderna: é um conceito formado de forma artificial (ge significa o que congrega, e stellen significa pôr em pé) para designar o que advém no (e pelo) conjunto das operações da técnica moderna)).
4.1
Também Mário Bunge pode ser chamado à colação quer quando afirma que na filosofia da técnica o efeito precede a causa e que o plano é essencial quer quando, por exemplo, explica (alargando o conceito de técnica) o sentido da projecção de três estados-nações artificiais - Dinamarca, Noruega e Suécia -, tendo por base as modalidades técnicas de juntar economia e social e democracia...
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Considerando ainda a importância (saber é poder) dada por Francis Bacon a três descobertas da sua época – a imprensa, a pólvora para canhão e a bússola – imperativo se torna pensar com Gilbert Simondon o sentido dos objectos técnicos (exemplo elucidativo: o motor e o automóvel). Atente-se que os objectos técnicos pensados com limites, também ultrapassam esses limites e constroem novas pontes entre o mundo natural e o mundo artificial.
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Como chegamos (e somos ainda) homo sapiens?
Perceber e conhecer o dispositivo mental (inato) de uma criança é o caminho: os processos modulares (módulos físico, psicológico, biológico, numérico, espacial, musical) guiam as aquisições de competências específicas de base: as que permitem ao ser humano desenvolver-se no mundo, via imitação, pedagogia e linguagem,
São os seres humanos artefactos? Pergunta que sobra.
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7.1
Estados cerebrais versus estados mentais: o que é ser neodualista? (ler)
7.2
Em toda a Natureza os dois maiores mistérios são a Universo e a Mente, e dois são os mais importantes artefactos humanos para os desvendarem: o telescópio (há quatrocentos anos) e os aparelhos de ressonância magnética (há vinte anos)... 
Aprendemos mais sobre o cérebro nos últimos quinze anos do que em todo o resto da História da humanidade e a mente, considerada inatingível, está a assumir, nos dias de hoje, um lugar de relevo.

Adenda
Citações de Levinas em “Deus, a Morte e o Tempo
     Ora a técnica, enquanto secularização, destrói os deuses pagãos. Por ela, certos deuses são mortos: deuses da conjugação astrológica e do fatum, deuses locais, deuses do lugar e da paisagem, todos deuses que habitam a consciência e repetem, na angústia e no terror, os deuses do céu.
     A técnica ensina-nos que estes deuses são do mundo, e que são portanto coisas, e que, sendo coisas, não são afinal grande coisa.
     A técnica, enquanto destruidora dos deuses do mundo, e que são portanto coisas, e que, sendo coisas, não são afinal grande coisa.

Textos a consultar
Um, doistrês, quatro...

Tema em aberto
Este...

Comentários

  1. Não vejo rotina nenhuma.
    É só inteligência.

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  2. Meu saudoso amigo, teve a gentileza de me enviar estas sete notas a tiracolo (disse); eu diria mais "de rajada", porque qualquer um destes pontos, por si só, dá "pano para mangas" para uma dissertação... Só lhe faltou acrescentar mais um ponto... o incisivo "homo intellectus". Mas julgo que vai falar dele - aposto!
    Forte abraço.

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