Vinci Vico Valéry

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(Mensagem recebida)
Que quer que faça, meu caro, sou assim, sem emenda, adiante... Ontem, vida minha, dei comigo a pensar que a ciência sem consciência já era, foi-se, já deixou de fazer sentido. E se o pensei, melhor me orientei à procura de resolver a minha certeza. De carreirinha, fui aos "Cadernos" de Leonardo da Vinci e, zás, encontrei: "a superfície da água não pertence nem ao ar e nem à água". Pedi calma aos meus olhos grandes e trauteei para me ouvir: "isso, no entanto temos uma representação maravilhosa desse fenómeno que é a superfície da água; e a superfície da água permite trabalhar (ui, Leonardo, o teu jogo da escrita e do disegno) sobre esse modelo de interface entre dois sistemas". Tanto, tanto, meu caro admirador de mim única, tanto a minha inteligência borbulhava, até o meu caderninho argolado se fez ao piso, vida, céus! Não fui de modas. Interface, disse de mim para mim, interface cheira-me (narinas minhas perfeitas), cheira-me a modelizar, vou jájá, digo, vou já ler "Sobre o método de estudos do nosso tempo" de Giambattista Vico. E não é que acertei? Santo Deus! Vico convida-nos a fazer da conjunção, do acto de conjugar, do acto de projectar o olhar sobre o fenómeno por meio do qual ele é representado, o preceito primeiro do acto modelizador: em lugar de "começar por dividir" comecemos por ligar. Tudo se junta, suspirei de coração apertado, tudo se junta... O melhor, meu caro estonteado com as minhas capacidades (e formas suaves) perfeitas e únicas, o melhor estava para chegar. Seja então... Quando suspirei "tudo se junta", veio ter comigo uma citação de Paul Valéry de "L´Homme et la coquille". Passei-me dos carretos e fui à procura de uma imagem elucidativa para lhe enviar de um animal de concha: olhe só que tartaguras, digo, tartarugas lindas (o amor anda no ar)! Adiante que quero levá-lo a sonhar poeticamente um instante sobre a inteligível admiração que suscita a modelização por conjunção. No livro de Paul Valéry pode encontrar-se uma meditação sobre um gastrópode saindo lentamente da casca, digo, concha. Sair da casca, vida, tropecei numa gargalhada, que sina. Pois sim, meu caro perguntador, pois sim, Paul Valéry interroga-se sobre esse complexo fascinante que é uma concha: um objecto que tem uma forma, passiva e sem necessidade, e que de repente se torna complexa, não só porque uma substância sai dela, o corpo do gastrópode, mas por assim esse objecto se torna acção e movimento. Pergunto em jeito de quem sabe: será que não modelizamos coisas mas sim actos? Difícil, meu caro, é difícil (mas interessante) este tema... Vou terminar com a citação do Paul Valéry que bem, digo, que também pode servir de legenda para a imagem que lhe envio (já reparou no padrão do corpo das tartarugas, olhe para o meu desenho à sua esquerda, vida), aí tem a citação:
Tudo se junta...
Simultaneamente acto e substância sensibilidade e mobilidade
e forma também 
Tão estreitamente juntas
pela natureza viva 
forma substância acção passando sem cessar de uma para outra
Adenda
Se Vinci Vico Valéry tem algo a ver com Veni Vidi Vinci? Com muito carinho, meu caro admirador de mim em mês de música e de miró, vou pensar nesta sua curiosa questão, irei rabiscar uns pensamentos no meu caderninho preto argolado, e o mais virá por acréscimo...
(Nova mensagem recebida)
Céus, vida, meu caro, que polímata sou! Li e reli (isso, duas vezes) a mensagem maravilhosa que lhe enviei. Li e reli (com sofreguidão e interesse), Santo Deus, estou rendida à imagem (o meu padrão é universal porque eu sou a essência de todas as coisas), sou assim, que se há-de fazer! Por causa da imagem, imagino uma carícia terna no meu rosto e um braço que me envolve: dois seres a unirem-se em concha, felizes. Tanto me lembra a palabra, digo, a palavra clandestina, verdadeira, revelada, reveladora, que polímata sou, segura e infalível, emoções minhas, vida...

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