Propício te seja sempre o que acontece
(Mensagem recebida)
Quanto ontem, meu caro admirador de mim e da forma como evoluo para melhor todos e cada dia, quanto ontem alcei os meus misteriosos olhos grandes para ver se o via (a si, só tenho olhos para si) no lançamento do livro cuja capa lhe envio, quanto! Pois não, não o vi, mas que o senti perto de mim, lá isso senti. Nem lhe digo e nem lhe conto, aquela minha saída genial "não, não, esta cadeira está reservada", vida, deixou uns quantos maduros em pé na coxia; e (aqui para nós que ninguém nos lê) gulosos: bem que gostariam de se sentar ao meu lado, mas a cadeira era sua, digo, era nossa. Adiante. Antes de chegar ao anfiteatro onde iria decorrer o lançamento do livro, vamos lá saber o que antes me aconteceu. Vamos lá. Já o dia caminhava para o fim, fui a casa, arranjei-me; e, desta vez, calcei uns sapatos bailarina rasos e lindos (daqui a uns segundos saberá porquê), e aí vou eu, carro meu para que me serves. Música na antena 2 e um debatezeco ranhoso na antena 1; música medieval, escolhi. O espelho retrovisor ainda se armou ao pingarelho: "fica-te bem o cabelo curto e ele gosta". Calma, meu caro ciumento, ui, ui, nada disso, o ele tem nome, se continua com esses ciúmes mal amanhados, acabo já esta minha mensagem. Estacionei perto de um café meu conhecido (isso, esse mesmo, entra-se na rotunda e volta-se à esquerda, aparece um placard com qualquer coisa doce e o primeiro lugar no estacionamento estava à minha espera)... Ora aí tem, seja: a vantagem dos sapatos rasos é o meu seguro para calcorrear um quilómetro a pé que há anos bem conheço (é sempre assim que os meus pés pisam o verdadeiro como um tapete). Adiante. Entrei pela porta norte dos pavilhões e disse de mim para mim: mau, tu queres ver que me enganei outra vez, não se vê nenhum aglomerado de gente. Adiante, lá vi o atl, digo, o tal de aglomerado: tanta gente na idade da prata, uns políticos a mostrarem-se "aqui estou eu" (consegue imaginar uma avestruz de bico no ar?), uns (e umas) jornalistas tipo pindérico, e tantos olhos cravados em mim (envergonhada até corei). Não interessa, lá cheguei às nossas cadeiras e observei o drama mais oco do culto do Sócrates e a mais deslavada profissão dos seus adeptos. Se o anfiteatro encheu? Sim, à pinha. Adiante. Um de tal de editor (nem o nome recordo) o que disse e nada, foi a mesma coisa (imagine que até referiu a "extensa bibliografia", quando o que o livro tem são referências bibliográficas). Um tal de deputado, qualquer coisa sousa pinto, disse que só tinha tido acesso ao livro nas últimas 48 horas, e o que disse e nada foi a mesma coisa, com a agravante de dizer que "estava muito honrado com o convite para fazer a apresentação do livro". O autor José Sócrates, em pedestal desproporcionado da sua estátua política (andam por aí alguns que dizem que não sabem quem é o autor, mas isso interessa pouco), foi igual a si próprio: boa pose, mãos soltas, bem falante, ideias simples e certeiras, mensagem política clara (mito e verdade embrulhados em papel de seda) e um tom de voz birrento q.b... Se, meu caro admirador de mim todos os dias linda, se eu já li o livro? Óbvio, primeiro li de afogadilho; e, depois (com as minhas todas memórias activadas), li mui pausadamente. Assim sendo, já estou em condições, meu adorado espremedor das minhas ideias, de lhe sugerir uma chave para abrir a leitura do livro. Seja ela: (1) começa pela contracapa (lá encontra a razão, o tema e o tempo do livro); (2) lê de seguida o capítulo "A dupla face" (excelente com excepção das páginas finais); (3) finalmente (à sua escolha) leia (se lhe apetecer) as outras partes, assim como assim são todas transcrições de apontamentos soltos (mas de muito interesse, não tenho dúvidas): ainda que a incursão pela teologia e pelo sagrado (o dom sagrado tem dois mil anos e dom profano tem apenas cem) deixe muito a desejar. O que é que então eu destaco? Pois bem... Logo à partida, a ambiguidade do conceito de carisma e, depois (com ênfase), a multifacetada complexidade de "as afinidades electivas". E, Deus seja louvado, logo que aquele acto social e político terminou, disse de mim para mim: "propício te seja sempre o que acontece". Quer saber se cheguei muito tarde à minha aninhada casa com horizonte-água? Ora essa, vida independente a minha, que curiosidade ciumenta a sua!
Adenda
Já me esquecia, meu caro espantado com a minha perspicácia, já me esquecia: porque diabo o dito autor do livro tantas vezes cita Hegel, e (céus) as obras de Hegel deram "às de Vilas Diogo" nas referências bibliográficas do livro? Quem sabe, aconselho eu, o autor possa ler "A Razão na História". Nesta linha, acaso sabia que "As afinidades electivas" de Goethe são a obra em que Goethe meditou sobre os procedimentos que regem as leis de Deus? Não sabe? Ironia subtil a minha, olha a novidade!
(Nova adenda)
Ponderei e ponderei, meu caro curioso, ponderei, e sim, deixo aqui uma reportagem... Primeira pergunta: mas os jornalistas não deveriam falar do livro? Segunda pergunta: o importante é o que se oculta por detrás do que se vê? Terceira pergunta: porque é que eu lá fui? A bom entendedor!
(Nova adenda)Pensei, pensei e pensei, meu caro, e aí vai: então não é que o dito autor do livro (penso eu de que) andou por aqui?
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