A vida foi assim há muito tempo no futuro
Quando constatei que hoje o dia estava adiantado (há
quem diga atrasado) uma hora, uma espécie de iluminação apoderou-se de mim: é dia de passear pelo campo fora, hoje é dia de flores e poemas. Se o pensei, melhor decidi. Vou contigo, soprou-me uma voz que bem conheço, vou ouvir sons e cantilenas de pássaros, vou ver morujas a banhar-se no ribeirinho, vou decifrar os pensamentos dos marmeleiros, vou afagar e deixar fugir um coelhinho traquinas, vou fugir a sete pés de uma lagartixa rabina, vou abrir e saborear uma marigada, vou saber se o tal penedo meu conhecido tem novidades (de horizontes) para mim. Esse mundo não humano é um mundo sensível e apetecível, arrisquei dizer. A resposta foi imediata. Esse mundo é o mundo em que nasceste e cresceste, é o mundo em que os corpos se sentem bem, é o mundo da vida, é o mundo originário, é o mundo da Terra imóvel, é o mundo em que o ser fala através dos corpos, é o mundo sem alfabeto, é o mundo da poesia e das flores, é o mundo do amor: manda o alfabeto às urtigas, anda daí comigo, dir-te-ei onde, como e se e quando devemos parar. Tive a certeza, mas calei-me, tive a certeza de que a vida foi assim há muito tempo no futuro.
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