Neste momento nada farei a não ser escutar
Sempre os outros, que sabem os outros de nós? De
outra forma, que sabemos nós de nós próprios que os outros não sabem que nós
sabemos? Vive-se e, acontece, a cada instante o semblante pode mudar, o
sorriso pode ser diferente, até as palavras se ajeitam ao que os outros delas
esperam, será que espelham o que eles dizem? Nós (alguns e algumas, que agora é
tempo de uns e umas) vivem num teatro de sombras, espraiam-se em palcos pejados
de aparências, representam e fantasiam, esculpem ornamentos com voz velada,
respiram e riem bastante, e tão a sério levam a representação que nela se
sentem bem: imitam carinho e solidariedade e verdade e atenção e tudo o que
mais esteja à mão de semear. Pois sim, mas o eu verdadeiro (ah, o eu
verdadeiro!), esse, esse que tudo sabe, esse já foi condenado ás galés e ainda
está preso (pés sobre cinzas e farrapos), está preso num cárcere que nós
escolhemos. A verdade é que, mesmo assim, é um eu que sussurra, que desfia
(todos os amanhãs passados, apercebe-se que não tempo a perder) verdade,
intrépido arranja fôlego para falar o que queremos esquecer da nossa vida e de
nós próprios, coloca as coisas como deve ser, porque sabe que todas as verdades
esperam (pacientemente) em todas as coisas e nos sons e nas cores e nas formas
e nas melodias. Neste momento nada mais farei a não ser
escutar, uma trepadeira de campainhas é bem melhor que toda a metafísica dos
livros.
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