Aquilo que aconteceu

Há coisas que não passam. Dizem-me que não passam dentro da cabeça, sei eu lá, às tantas sim, não passam. Sei, isso eu sei, que, de quando em vez, voltam. E por isso, só por isso, sei que não passam, não passam mesmo. E mais. São coisas que não passam e que só nos deixam sem nós querermos. Que não passam (dizem) dentro da nossa cabeça. Quais coisas? Pequenos e profundos olhares, palavras doces nas mãos em chamamento, abraços ternos e quentes, sobressaltos visíveis e ciúmes escondidos, espantos e magia, saudades do cheiro e dos olhos e do riso, saudades até da nuca de uma sereia na banheira de uma tartaruga verde. Mas também asperezas e mentiras e tédios amargos e raivas ambíguas e dias fatídicos. Há coisas que não passam. Há quem diga que só não passam dentro da cabeça. Pois, tudo bem, só não passam dentro da cabeça, mas o dentro da cabeça significa o quê? Não sei responder, estou confuso, se calhar é isso. Agora estou a ouvir as palavras escritas e fico a pensar no que querem dizer com o que dizem; vou esperar que as letras acordem por sua própria iniciativa e me esclareçam. Gosto da íntima familiaridade das letras vivas, nessa íntima intimidade procuro o conhecimento das suas energias individuais: é assim que consigo apaziguar (com magia) a discórdia do mundo à minha volta.

(Comentário recebido)
As fadas, meu caro, sabem que tudo passa, isso mesmo:
- que tudo passa.
Sabem tudo, quase tão bem como sabem que, da memória dos acontecimentos, o esquecimento é um acto involuntário, que nos surpreende sempre quando um dia descobrimos que já não dói..., e a que começamos a chamar esquecimento:
- porque se a memória esqueceu a dor: o que ficou é de menor importância. 
Também sabem que o melhor antídoto é a vida e o seu apelo a que novos e melhores acontecimentos, suportados pela experiência e pela sabedoria adquirida, se imponham; e aqui (também) é voluntário, construído e apreendido:
- (mesmo para os descrentes do livre arbítrio e mesmo para aqueles - deles - que escrevem bem). 
E para não dizer, meu caro, que é só conversa de fada...
Aqui vai a fundamentação teórica:
 -"Conseguiu mostrar que a conversa modifica o funcionamento do cérebro. A pesquisa, tema de doutorado de Peres em Neurociências e Comportamento pela Universidade de São Paulo, deve ser publicada em Junho na revista Journal of Psychological Medicine. (...) Os indivíduos narraram o momento traumático várias vezes. Depois, foram convidados a relembrar situações difíceis que viveram anteriormente e a sensação positiva que tiveram ao superar o problema. Exames de tomografia ao final do tratamento revelaram que o funcionamento cerebral é modificado com a narração. "Quem passou pela psicoterapia apresentou maior actividade no córtex pré-frontal, que está envolvido com a classificação e a 'rotulagem' da experiência", diz Peres. "Por outro lado, a actividade da amígdala, que está relacionada à expressão do medo, foi menos intensa." Isso fortalece a tese de que falar sobre o problema ajuda a pessoa a controlar a memória da dor que sofreu."
Quanto à fundamentação prática:
melhor será uma conversa de pé de orelha.

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