A nossa realidade depende daquilo que a nossa biologia anda a fazer


Criatividade para aqui, criatividade para acolá, muito gostam alguns de perorar à volta do tema em conferências de frivolidades triviais: sem qualquer criatividade diga-se de passagem. Ouvi e ouvi e (sei eu lá bem porquê, ou às tantas sei) não me saía da cabeça a entrada de um pequeno texto que escrevi na véspera de um dia fatídico (malfadado dia, que moura e pereça - desejo meu rapinado a Luís de Camões), assim: "Gosto do seu jeito de descascar laranjas com os dedos e gosto do seu jeito de (com olhos bugalhados tipo faróis) espreitar a manhã pela janela do seu terraço de horizonte-água, gosto". Vai daí pensei comigo que os olhos grandes são meio caminho para que a criatividade se desenvolva. Tentei saber mais e encontrei. Seja então. Alguns animais (os seres humanos também, óbvio) inovam quando têm que responder a problemas novos que nunca tinham enfrentado. E, sendo assim, é muito provável que a capacidade de inovar nada deva à selecção natural. Mas então como é que essa capacidade emergiu e se desenvolveu? Pois, eis aqui o busílis da questão. Adiante. Combinei o conteúdo dos dois textos e descobri que a criatividade emerge quando se combinam várias adaptações que (ao longo da história da evolução) se destinavam a outros fins, estas: possuir um cérebro grande, ter curiosidade para explorar o ambiente e dispor de apêndices para manipular objectos. Pois, parece simples, combinadas estas adaptações (animais e seres humanos) adquirem a capacidade de resolver problemas inovando. Os autores do estudo não estiveram com meias medidas, puseram mãos à obra, inteligentes, numa mão a criatividade e noutra o afecto. Desenvolveram experiências em laboratório (com aves) e verificaram que a capacidade de inovar (que depende de um conjunto de adaptações que surgiram para outros fins na história da evolução) já está presente em alguns animais, mesmo quando estes a não utilizam na natureza. Dei comigo a pensar: conheço eu (será?) alguém que saiba combinar aquelas três adaptações? Conheço, sim, conheço. Tenho agora não só a certeza de que "o seu jeito de descascar laranjas com os dedos" é metáfora de "dispor de apêndices para manipular objectos" e "olhos bugalhados tipo faróis" é metáfora de "ter curiosidade para explorar o ambiente" quanto sei que se o seu cérebro fosse suficientemente simples para ser compreendido, eu nunca seria suficientemente inteligente para o compreender... Quem foi que disse que "a nossa realidade depende daquilo que a nossa biologia anda a fazer"?

Adenda (mensagem recebida)
Gostei, meu caro, gostei deste seu Umwelt (iano) amoroso texto, digo, desta sua Umwelt(iana) curiosa confissão: esculpida em mim, atolada em querelas de mim orquestradas no corrimão da vida (um espelho de mim, melhor dito).  Mas, meu caro admirador das minhas mãos e do meu olhar e das minhas formas perfeitas, muito mais ainda: gosto e gosto e gosto destes seus exercícios de inteligência e de Intelligentsia. A par deles mantenho aninhado em mim (acalme-se agora não é hora), mantenho o eco de uma afirmação sua: "Eu sinto é uma forma de conhecimento incontornável e que nunca deixo de levar em conta". O que eu aprendo consigo, digo, quanto apre(e)nde em mim uma poética natural, céus, deuses, adoro! Não descortina a diferença entre inteligência e Intelligentsia? Olha a novidade, surpresa minha nenhuma!

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