O difícil para cada português não é sê-lo; é compreender-se
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Eram previsíveis o conteúdo e a forma do discurso
de posse do actual Presidente da República Portuguesa? Sim, eram... Lendo esse
discurso, com atenção, consta-se, sem dificuldade, que o discurso mais parece ser um momento alto da sua campanha eleitoral: é a reflexão e a intenção do presidente eleito.
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Vejamos... Se assim for, a campanha eleitoral do actual Presidente da República não terá terminado na data da sua eleição, e parece constituir-se em várias etapas, assim: (i) antes (alguns anos na academia, na comunicação social e na política); (ii) o acto de formalização da candidatura;
(iii) os dias de campanha e o dia da eleição; (iiii) o período de reflexão; (iiiii) a tomada de posse; (iiiiii) o dia a seguir à tomada de posse; (iiiiii) os cinco
anos seguintes; (iiiiiii) e os outros (mais) cinco anos...
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Andarão
distraídos, em Portugal, os especialistas em teorias da comunicação? Parece que sim (ou talvez não!). Mas, tão
distraídos andam (alguns) que ainda não terão tido tempo para ler uma das melhores partes (quiçá a melhor parte) do discurso. Aquela em que também o actual Presidente da República se terá visto ao espelho, e onde (não custa acreditar) solidificou a sua vontade de querer ser o Presidente de todas e de todos os portugueses, de querer ser o
Presidente de República Portuguesa, de querer ser o Presidente de Portugal: em tempo de crise (social, económica e financeira), em tempo de urgente regeneração política (nacional e europeia) e em tempo (cíclico?) de uma crise humanitária mundial.
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Qual é essa passagem do discurso? A seguinte, esta:
- "Mas a
resposta vem de um dos nossos maiores, Miguel Torga. Que escreveu em 1987,
vai para trinta anos: "O
difícil para cada português não é sê-lo; é compreender-se. Nunca soubemos
olhar-nos a frio no espelho da vida. A paixão tolda-nos a vista. Daí a espécie
de obscura inocência com que actuamos na História. A poder e a valer, nem sempre
temos consciência do que podemos e valemos. Hipertrofiamos provincianamente as
capacidades alheias e minimizamos maceradamente as nossas, sem nos lembrarmos
sequer que uma criatura só não presta quando deixou de ser inquieta. E nós
somos a própria inquietação encarnada. Foi ela que nos fez transpor todos os
limites espaciais e conhecer todas as longitudes humanas… … Não somos um povo morto, nem sequer
esgotado. Temos ainda um grande papel a desempenhar no seio das nações, como a
mais ecuménica de todas. O mundo não precisa hoje da nossa insuficiente
técnica, nem da nossa precária indústria, nem das nossas escassas
matérias-primas. Necessita da nossa cultura e da nossa vocação para o abraçar
cordialmente, como se ele fosse o património natural de todos os homens."
Adenda (mensagem recebida)
Adenda (mensagem recebida)
Se eu concordo ou não, meu caro, com este seu arrazoado? É isso que quer saber? Não sei o que lhe dizer... Li do princípio ao fim, deixei assentar as ideias, e comecei de novo uma vagarosa leitura. A modos que sim, a modos que uma segunda leitura a pensar em si, a modos que uma conversa consigo (não vejo a hora!), e não quis que os meus preconceitos pudessem interferir. Mas nada, não me sai nada, digo, penso ir a Alcobaça e de caminho vou ver um museu. Qual? Ainda não sei... Mal que lhe pergunte: o texto do Miguel Torga não tem raízes-rizomas de fado? Às tantas tem. Adiante... Descobri (no museu que escolhi para visitar) que também o José Malhoa tinha uma musa. Não fazia ideia, meu caro? Não sabe quem foi ela? Olha a novidade! Quer um conselho (já lhe disse que hoje estou linda de passear?), não quer o meu conselho, quero eu lá saber, aí o tem. Mande, meu caro, as suas filosofias (patriotas) às malvas, pense em mim e oiça a imortal Amália Rodrigues enquanto se delicia com a imagem dum quadro do José Malhoa que agora lhe envio. Já me esquecia de o provocar, gosto e gosto e gosto. Olhe só o que acabo de rabiscar no meu caderninho argolado: até que enfim, depois do 25 de Abril de 1974 (e pela primeira vez), vou, de certeza, poder ouvir perguntar na rua: quem é o Presidente da República? Ora essa (a resposta será automática), ora essa, é o Marcelo... Em democracia, Portugal já pede meças, verdade?
Adenda (pé ante pé e à medida que os jornalistas abrem a pestana)
Pois... Aí está uma boa pergunta. Até que enfim, já não era sem tempo! E ainda... E ainda há cada patusquice... Ah, pois sim... E pois claro... E, andavam mesmo distraídos... Este andava distraído e a dormir, já acordou...
Finalmente o ""artista"" entrou na tenda e o espectáculo vai ser completo: acrobacia,palhaçada,ilusionismo e o povo amestrado, contente na desgraça, ri e aplaude.Oxalá eu tenha de morder a língua pois até degustaria a sangue.
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