Como, como é que aconteceu, como é que isto aconteceu?
Como, como é que aconteceu, como é que isto aconteceu? Conheço este desenho, eu estou neste desenho, aqui estou eu, inteirinha, um tudo nada menos elegante, diga-se, mas gosto e gosto e gosto. Assim ouvi gaguejar uma garça real azul que, noite a escurecer de mansinho, me apareceu no écran coberto de letras. Para que serve a sua atabalhoada escrita, tem noção de alguns efeitos colaterais despercebidos e infelizes do alfabeto? Perguntou-me de supetão. Sim, tenho, arrisquei, mas, como pode testemunhar, é meu ofício apoderar-me da escrita e soltar a inteligência germinal e terrena das palavras, libertando-as no écran, para que, com ritmo e melodia (e magia), possa responder à fala da natureza. Pois sim, trauteou sem despegar os olhos do desenho, mas deixe que as palavras deslizem do écran digital sempre que lhes apetecer e venha daí, vamos caminhar os dois ao longo de uma praia coberta-pejada de pedrinhas com cores e com o chão tremente a responder aos nossos passos: vive comigo um conto que tem que ser contado e narrado (este desenho rabiscado tem mesmo a minha elegância e a minha complexidade e as minhas cores, é meu, sou eu com suave música em fundo). Adiante, oiça. Sou todo ouvidos. Um dia destes uma folha que flutuava à deriva chocou com a minha perna quando me divertia altiva e pensativa na maré vazante; olhava eu (pesquisadora) para a superfície ondulante e um banco de nuvens, carregando uma estrutura bojuda e encapelada, acenou-me fazendo negaças, não me assustei e nem me dei por achada, uhm; mas, imagine só, um caranguejo eremita fugiu a sete pés em busca de refúgio. Entendo bem, ripostei sem cerimónia e com acrimónia ácida, entendo bem, muito bem, aquele seu risinho (trauteado) a acompanhar a fuga geringonçada desse caranguejo eremita; se ele procurava refúgio, lá tinha os seus motivos, as suas razões, por mero acaso quis saber, perguntou-lhe? Fim de conversa, decretou, fim de conversa, e vou levar o desenho comigo. é meu, sou eu.
Adenda
Leitura de fim de semana: Hannah Arendt Epistolar...
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