Anna de Noailles e Safo


Interessante, é muito interessante este livro de Ortega y Gasset… A páginas tantas (páginas 111 a 119), pode ler-se um texto publicado na revista Ocidente (datado de Julho de 1923) sobre a poesia de Anna de Noailles: “a mais poética das condessas e a mais condessa das poetisas”. Vale a pena parar, e ler esse texto com atenção; termina assim:
“Não é, portanto, de estranhar que em Anna Noailles, derradeira poetisa, encontremos uma derradeira coincidência com a primeira mulher versipotente: com Safo, a de Lesbos. Nos escassos fragmentos que dela chegaram até nós, enunciam-se exactamente os mesmos temas e encontramos modulação semelhante à da nossa musa contemporânea: “Como o vento resvala pelas ladeiras/e ressoa entre os pinheiros/ assim estremece Eros meu coração” (fragmento 42) e “De novo Eros me atormenta, Eros que adormece os membros, monstro agridoce, irresistível…”(fragmento 40). A mesma sensibilidade para o espaço cósmico em versos antes citados transparece nestes, com quase três mil anos: “A lua e as plêiades já se puseram/ é meia-noite/há muito que passou a hora…/hoje ficarei estendida e só”. Melancólica queixa de uma mulher também “rebelde ao Outono”, para quem passou a hora incendiada do amor. “Un radieux effroi fait trembler mês genoux”, entoa Noailles. “Um temor apodera-se de mim toda”, entoa Safo. “Deux êtres luttent dans mon coeur/C´est la bacchante avec la nonne”. Alguma vez se teve notícia de uma mulher que não afirmasse trazer duas dentro de si? Centaura de bacante e de freira Noailles não faz mais que repercutir o verso solitário de Safo: “Não sei o que faço/há em mim duas almas”. As duas mulheres divinas, situadas nos extremos do destino europeu, sentem a força anónima do silêncio com inesperada coincidência.  A actual “observa, tenso o espírito, como um caçador, o curso ilimitado e puro do silêncio”. A antiga, com maior modernidade, diz apenas isto: “a noite está cheia de orelhinhas que escutam”. Culmina este paralelismo em ter dito Safo de si mesma que era pequena e morena: mikrá kai mélaina. A condessa de Noailles não o diz, mas é-o maravilhosamente”.

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