Serendipidade, trapobana minha
Há dias, meu caro, que nem eu sei porque é que as coisas
acontecem, vida a minha. Durante o dia de ontem, no dia inteirinho, ...inho, ...inho, a expressão
"a força do destino" dançou e bailou e rodopiou na minha cabeça única e bem
feita. Lembrei-me (Santo Deus, o que é que eu não sei, Jesus, Maria, José!) de Carlos Calvet e das suas misteriosas pinturas, uma delas bem que se chama "a força do destino"...
Engano seu, interrompi-lhe o discurso apressado e meio gaguejante, engano seu se pensa que às
quatro da manhã a vou ouvir falar do seu dia de ontem e das suas insondáveis preocupações metafísicas;
e, quanto à imagem que traz consigo: conheço, é cópia de uma pintura de Carlos
Calvet mas o nome é "Misterioso Ousa" e não "A Força do Destino"... Que espertinho (abanou a
cabeça, riu e depois sorriu), olha a novidade, então eu não sei? Exactamente
por isso é que ontem andei muito atenta a tudo o que me acontecia e com a
serendipidade nos meus olhos grandes à cata de uma explicação convincente. Serendipidade,
que é lá isso? Perguntei. Sempre o mesmo, céus, acudam. às armas, a sabedoria foi atacada. Serendipidade é uma
palavra inventada por Horácio Walpole, escusa de dizer que não conhece, isso é
trivial. Adiante. Descobri, meu caro, numa carta, escrita em 28 de Janeiro de
1754, que ele não só diz que inventou a palavra "serendipity" quanto
esclarece que a foi buscar a um conto intitulado "Os três Príncipes de
Serendip", assim: "nas viagens de sua Alteza, os príncipes faziam,
por acidente, descobertas de coisas agradáveis que não procuravam".
Estonteado ao confirmar que ela está afinadíssima para o relacionamento (os
olhos, a pele, a língua, os ouvidos, as narinas, as mãos - trilhos sinuosos
visíveis, auditivos, tácteis: o corpo inteligente que mostra e fala), nem tempo
tive de perguntar, a resposta veio certeira: é a força do destino, claro que
sim, o misterioso ousa em mim. (Uma hora depois de sons e ritmos e aromas e sabores
e espirros salgados e luz de estrelas)... Acalme-se, meu caro, olhe o seu
coração ainda aos saltos. Oiça. O conto "Os três príncipes de
Serendip" foi traduzido da língua persa para o francês e depois vertido em
inglês e publicado em Londres no ano de 1772. Conto ou história verdadeira?
Atrevi-me. Corada, de cabelo apanhado (que bem lhe cai o cabelo apanhado) e curvas formas soltas explicou: parece que a história é verdadeira e que os príncipes eram filhos de
Jafer, um rei-filósofo de Serendip (ou Serendib), antigo nome de Ceilão, hoje
com o nome de Sri-Lanka. Ceilão, disse Ceilão, arrisquei de olhos piscos,
Ceilão não é a Trapobana de Luís de Camões? Ri-me a bom rir quando a ouvi
declamar num escolhido gesto teatral: Serendipidade, trapobana minha!
Adenda (mensagem recebida)
Encontrei, meu caro, uma forma de lhe dizer que gosto deste seu, digo, meu texto... Que tal? Sou assim que se há-de fazer! Veja só o que ando a ler...
Adenda (mensagem recebida)
Encontrei, meu caro, uma forma de lhe dizer que gosto deste seu, digo, meu texto... Que tal? Sou assim que se há-de fazer! Veja só o que ando a ler...
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