Ruído natalício: neurónios, hotéis e uma canção

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Bem que o tinha avisado, meu caro, bem que eu lhe tinha dito: neste tempo de Natal ele há cada coisa diferente, até as imagens desaparecem (e aparecem) quando menos se espera, e tudo (mas tudo) pode acontecer. Quatro da manhã, frio de rachar lenha, e uma fada armada em rena de Natal a avisar-me sei eu lá bem de quê, e com quatro imagens de Natal (combinadas) na mão direita, comentei de mim para mim. Surpreendido, dizia-lhe eu, "linda, linda, está linda, essas fotos são lindas, é dia de Natal, quero dormir, nada de rapinar a minha manta de lã merina branca" (a manta é minha, registe-se, minha); e já ela se aninhava manta adentro, enroscadinha e torneada. Que pele suave, suspirei, que olhos grandes a falar sozinhos, que vida a minha, que calor: o frio (aflito) pirou-se. Sei que não é hora, sussurrou, sei que não é hora, meu caro admirador de mim, mas não posso deixar de lhe contar (sorria divertida) que andam por aqui uns maduros a apregoar que há uma "rede de neurónios do espírito natalício", Santo Deus, Jesus, Maria! Pior que eles, meu caro, só uns outros maduros (saberão eles que as instituições públicas só podem desenvolver as actividades que caibam na sua missão - princípio da especialidade - saberão?) que agora querem construir dois hotéis, vida a minha! Adiante que agora me sinto desejada: acalme-se, há tempo, a manhã ainda agora abriu as pálpebras. Como sempre acontece (quando ela está por perto) a vontade galgou sobre mim, tornou-me num lobo das estepes; olhei-a faminto com uma espécie de fervura no sangue, quis ferrar-lhe os dentes, apossar-me dela. Sabe há muito, meu caro, ciciou, que eu retiro das coisas mais simples um prazer genuíno e intenso: assim sendo, escute o primeiro uns acordes desta canção, depois apague a luz e verá que o nosso ruído (ruído, ela disse nosso ruído?) começa sem demora...

(Mensagem recebida)
Ainda me estou a rir, meu caro, ainda me estou a rir da sua atarantice de ontem. Vamos por partes. (1) Não percebeu que as imagens fazem parte do artigo de investigação (ui, deuses do Olimpo grego, tanta é a sua falta de atenção sempre que me tem por perto!). (2) E (óbvio) devia ter entendido que se aqueles outros maduros pudessem construir dois hotéis para formação em turismo, então também poderiam construir dois hospitais (dãããh!) e assim por diante: (e mais: com dinheiros públicos, vou ali e já volto, olhódesplante!). (3) Em vez de ouvir a música demorou-se na letra: que mania a sua de encontrar sentidos escondidos (que alquimista falhado me saiu!). Adiante. Garanto (garantidinho quando o diminutivo é aumentativo) que existe uma rede neuronal (pelo menos em duas pessoas que eu saiba) que traduz as emoções de estar juntos (se fui eu que investiguei, claro que sim, sim, quem haveria de ser?)... Deixe-me, meu caro, continuar a rir: estou (divertida) a ler o seu pensamento e gosto, gosto, gosto. Duvida?! Aí o tem, transcrito corridinho: “lá vou eu ficar sem a minha manta e com a rede neuronal imersa em oxitocina, ai se eu a apanho, a ela e aos sorrisos palradores."... Sorrisos palradores? Eu escrevi sorrisos palradores? Não, não. suspiros palradores, isso sim!

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