O que é um pensamento?

1. Eu penso
1.1.A expressão “eu penso” pode ser um bom ponto de partida para abrir uma janela para um enigma ainda por resolver: o que é um pensamento? Rafael Yuste, um neurobiólogo espanhol que lidera o maior projecto de investigação sobre o cérebro (projecto em desenvolvimento e financiado pelos Estados Unidos da América), não tem dúvidas que a descoberta do mapa do cérebro (com as redes neuronais em funcionamento) será de capital importância quer para saber o que é um pensamento quer para o desenvolvimento da prática da medicina...
1.2. No entanto, a expressão “eu penso” remete, sem dificuldade de maior no âmbito do pensamento filosófico, para o “cogito” de Descartes: penso logo existo. Nesta linha, imperativo se torna revisitar dois conceitos fundamentais da filosofia cartesiana - res cogitans (coisa pensante) e res extensa (coisa extensa) - recorrendo às “Meditações sobre a Filosofia Primeira – II.ª, V.ª e VI.ª): para primeiro os identificar; e para, depois, perceber um processo (interno) de elaboração do pensamento. Assim.
(i) “Mas que sou então? Uma coisa pensante. O que quer isto dizer? Quer dizer: uma coisa que duvida, que compreende, que afirma, que nega, que quer, que não quer, que também imagina, e que sente.” (Meditação II.ª ).
(ii) “E, com certeza, hei-de em primeiro lugar trazer aqui à memória quais são as coisas, das recebidas pelos sentidos, que tomei agora como verdadeiras, e porque causas as julguei tais. A seguir, hei-de também considerar atentamente os motivos por que pus isto, depois, em dúvida. E, por último, reflectirei sobre o que, das referidas coisas, devo então crer.” (Meditação VI.ª).
(iii) “Em seguida, noto que o espírito não é afectado imediatamente por todas as partes do corpo, mas apenas pelo cérebro, ou mesmo, talvez apenas por uma parte minúscula dele, ou seja, por aquela em que se diz que fica o sentido comum. A qual, todas as vezes que regulada do mesmo modo, faz aparecer no espírito o mesmo, ainda que as restantes partes do corpo possam encontrar-se diversamente movidas, como provam inúmeras experiências que não é necessário passar aqui em revista.” (Meditação VI.ª).
1.3.Com esta escolha cartesiana (que se impôs a partir do século XVII, no Ocidente) de separar o espírito (substância espiritual) do corpo (substância material), nasceu algo: o que se denomina de dualismo de substância...

2. Erro de Descartes?
2.1.“"Erro de Descartes" ou Erro de um Título?”… Assim, em 1996, titula a Professora Maria Luísa Ribeiro Ferreira um (interessante) comentário à publicação e divulgação, em Portugal, do livro “O Erro de Descartes” de António Damásio.
Atente-se na forma como ela termina o seu comentário: “(…) Se avançarmos com outros textos cartesianos nomeadamente o Tratado do Homem, as Paixões da Alma e as Cartas à Princesa Elisabeth, verificamos que uma das suas grandes preocupações foi a relação da alma com o corpo não, só no que respeita à separação mas também no que concerne á união dos mesmos. O “cogito” é realmente a “celebração do pensamento”, a afirmação da sua autonomia e diferença em relação ao corpo. Mas é-o numa primeira instância que Descartes ultrapassa. Fá-lo nas próprias Meditações pois na última coloca outras verdades a par do “cogito”, verdades que igualmente se preocupa em provar. São elas a existência do corpo (dos corpos) e a união do corpo e alma. “A natureza também ensina por estas sensações de dor, de fome, de sede, etc, que não estou apenas alojado no meu corpo como marinheiro no navio, mas que estou muito estreitamente ligado a ele, e tão misturado que componho com ele como que uma unidade (…) Porque sem dúvida estas sensações de fome, de sede, de dor, etc, são apenas certos modos confusos de pensar que se originaram na união e como que mistura do espírito com o corpo”. Só esquecendo este e outros textos como por exemplo a carta a Regius de 31 de Janeiro de 1642 e à Princesa Elisabeth de 21 de Maio de 1643, poderíamos dizer que Descartes negligenciou a relação corpo/mente ou que apenas se preocupou com o pensamento puro. Aliás, ele próprio confessa na referida carta a Elisabeth ter sido a temática da união um dos pontos mais frágeis do seu sistema, prometendo aprofundá-lo. E cumpre esta promessa nas Paixões da Alma, obra de maturidade, na qual a temática que Damásio diz ter sido negligenciada é amplamente desenvolvida. (…).
2.2.Traduzido numa perspectiva actualizada, o problema "corpo-espírito" transformou-se em "cérebro-mente" quando se passou a considerar o cérebro como substrato mental do espírito.

(Mensagem recebida)
Já li, meu caro, mas estou com uma dúvida cartesiana (metódica, hiperbólica, sei eu lá bem...), seja ela: pode haver pensamento sem linguagem? Não sabe? Olha a novidade! Tente explicar as performances intelectuais das pessoas afásicas... Que me diz? Nada? Porque é que eu já nem me surpreendo com o seu silêncio? Adiante. A propósito: demore-se aqui alguns minutos (a partir do minuto 25); vai aprender algo importante.
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Notaaqui um filme sobre a vida de Descartes.

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