É tempo de fim de tempo: Bom Ano de 2016

É tempo de fim de ano, é tempo de fim de tempo. Está vento e chuva morrinha e frio, muito frio, até as mãos se engadanham e as orelhas embicam, e a noite já caiu, escura que nem breu. Em fundo, oiço (enquanto penso e escrevo) uma divertida música medieval (de dança). O madeiro aceso (tradição centenária, fogo de artifício dos pobres) dormita no adro da igreja em brasas luzentes de castanheiro, eucalipto e azinho (e ainda há cheiro de alecrim no ar). Se neste momento o filmassem, veriam no dançar do fogo que o adro da igreja vale como a imagem de um mundo que acabou, que está prestes a acabar, melhor dito. Os cães (um sinal de alerta) deram às de vila diogo (deram à sola, piraram-se), não se deixam ver. Mas os ilustres e catitas e aperaltados citadinos (sábios até mais não), que desconhecem a forma de estar e de viver numa aldeia beirã, idealizam famílias numerosas (e harmoniosas) em volta da lareira a conversar, falam de "achas e toros a crepitar alegremente" (Deus nos acuda!), falam de panelas de ferro, de alheiras e de chouriços em azeite, de risos, de pichorros de bom vinho tinto, de estórias de vida, do tocar das avé-marias, e até falam de lobisomens com pés de cabra. Citadinos de uma figa, sortudos, são os bem amados pelos políticos de meia tigela que por aí são multidão. Se um acaso (fortuito) os trouxesse para este mundo esquecido, pronto e rápido lhes passaria o romantismo, e de certeza deitariam a fugir, davam corda aos sapatos e, pés para que vos quero, abalavam sem um adeus até um dia destes. Se me apetecesse (não me apetece), eu poderia tentar encontrar um poiso diferente, mas não é isso o que agora conta. O que conta mesmo (em tempo de mudança de ano) é dar visibilidade ao invisível, ao temeroso cárcere em que algumas aldeias moribundas se tornam. O que é mesmo importante é perceber a tragédia de alguns seres humanos (mulheres e homens de fibra, autênticos e de rosto talhado pelo tempo) que nessas aldeias aguardam (sem mais dor, chega de vida madrasta) que a morte os liberte da pena perpétua a que já nasceram condenados. Mais dia menos dia, lá para o Dia de Reis, até o madeiro se apagará, sobrarão apenas cinzas quentes a que uma ventania benfazeja chamará um figo maduro; mas, no som do vento, nessa altura, se ouvirá uma velhíssima cantiga medieval cuja letra aqui se regista: no alto daquela serra, no alto daquela serra, tem, tem meu pai. tem, tem meu pai um castanheiro, que dá, que dá castanhas em Maio, cravos roxos, cravos roxos em Janeiro... 
É tempo de fim de tempo: Bom Ano de 2016.

Comentários

Mensagens populares