É assim a modos que um suponhamos
Figura catita, jeito de filósofo preocupado com a vida e com o
saber, andava rua acima rua abaixo, e dizia: é assim a modos que um suponhamos. Como é que é, perguntei à única fada a quem agora deu para aparecer sem se fazer
anunciar, está a falar de quem? Meu caro, essa sua ideia de passar a vida a
pensar e a sonhar comigo agrada-me. Por isso aqui estou (linda, verdade?) com
um mote de conversa, conversa filosófica. Não, tenha paciência, encabrestei-me,
agora não é hora. Claro que é hora, homessa, disse ela num sorriso contagioso (e meio envergonhado), não quer mesmo saber da minha conversa com aquela espécie de
filósofo que encontrei em pausado passeio socrático? Não, não quero, favas contadas,
não, não quero, retorqui. Que duas maneiras tão diferentes temos nós de
existir, de agir e de pensar, suspirou; e, sem tem-te nem mas, disparou à queima-roupa:
amarfanha-me a certeza de que tenho que o provocar todos os dias, veja se
acorda para a vida. Seja, concordei, conte lá o raio da conversa. Não se fez
rogada e... Perguntei ao filósofo: é assim a modos que um suponhamos, o que é que isso quer
significar? Respondeu ele: embora com capacidades primitivas, nós humanos
funcionamos talvez como receptores de sinais, ideias e pensamentos cujos
resíduos, à falta de melhor equipamento, processamos através do sonho e da
fantasia. Eu, meu caro, não me contive, e zás: daí até ao seu “é assim a modos
que um suponhamos” vai mais de meia légua de pensamento; e não é que aquele
patusco me invectivou despudoradamente? Boa, exclamei feliz. Claro que sim, meu
caro, sou boa e sou linda e não desdenho um piropo sincero, mas quer ouvir ou
não o resto da conversa? Meti a viola no saco e nem esclareci que eu queria
dizer: “boa resposta, boa malha”. Invectivou-me aquele maduro, continuou ela, desafiando-me
assim: imaginemos agora que alguns
sinais, provenientes dum ou doutro remoto planeta, sofrem por vezes de trocas
de linha (de onda?) e são recebidos pelo destinatário errado; não poderiam explicar-se assim os destrambelhamentos
que, sem razão aparente e nem visível, às vezes, sentimos, tornando-nos por instantes
estranhos a nós próprios? A minha alma está desvairada, dei por mim a
dizer com ar zombeteiro, esse filósofo chegou para si, e até a minha excessiva
letargia já foi à vida… Pois foi, meu caro, a sua letargia foi à vida, tão
engelhada ela estava, agora (vejo eu daqui com os meus olhos grandes bugalhados) está a
desengelhar-se, céus, deuses, já se parece com um pau nervoso, quer dar uma de filósofo, Santo Deus, que destrambelhamento! Acudam, às armas!
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