Se Van Gogh conhecia Betz? Sei eu lá, creio que não
Pollard Birches (1884) é uma pintura de Vicente van Gogh. Resposta dada, meu caro, à sua exclamação - "que pintura estranha, quem é
o autor?" - estou agora em condições de o alertar para algo
verdadeiramente interessante, seja, o sistema nervoso humano. Porquê? Ora essa,
porque o sistema nervoso humano não está contido nos limites do corpo, adeus.
Calma aí, ripostei a uma fada apressada, calma aí, aparece inopinadamente,
mostra uma imagem, pergunta e responde e despede-se com um adeus sem mais nem
menos? O sistema nervoso humano não está contido nos limites do corpo, terei
ouvido bem? Ouviu, respondeu enquanto rodopiava, ouviu bem ainda que vidrado em
mim, sou linda, mas acalme-se, eu fico. Vamos lá então: "o circuito que vai da
percepção sensorial à resposta motora começa e termina no mundo; sendo assim, o
cérebro é uma parte de um sistema que passa através da pessoa e do seu ambiente
(culturalmente específico, historicamente transitório); esclarecendo melhor: é
necessário incluir o mundo para completar o circuito sensorial, nada de separar
a biologia do ambiente, o ambiente é mediação entre sujeito e objecto".
Nada, nadica de nada, não percebo nada, interrompi, a menos que, a ser como
diz, o centro do sistema nervoso humano não seja o cérebro mas sim a superfície
do corpo; se assim for, a dita (clássica) subjectividade não fica confinada ao
corpo biológico mas age como mediadora entre as sensações internas e externas,
entre as imagens da percepção e as imagens da memória. Espertinho de uma figa, trauteou,
saiu-me melhor que a encomenda, é isso mesmo, chama-se a isso "sistema
sinestésico": um sistema estético de consciência sensorial descentrado do
sujeito clássico, um sistema aberto que não só está aberto ao mundo através dos
órgãos sensoriais quanto as células nervosas no corpo humano formam uma rede
que é descontínua em si mesma e mais: estendem-se até outras células em pontos
denominados sinapses, mostrando uma descontinuidade morfológica e uma
morfologia arborizada das células cerebrais... Interrompi: sinto dores de
cabeça, mais me parece que tenho curto circuitos no cérebro, até vislumbro uma
árvore de natal cerebral, deixemos este tema para mais tarde, peço-lhe. Oh, oh, ciciou, é isso mesmo, sou eu (linda e inteligente e única como sou de natureza) que
provoco essas descargas eléctricas, que mais me haveria de acontecer, sou assim, só para si. Deixemos então para mais tarde, meu caro, esta nossa conversa que já
vai longa. Só ainda uma notinha de rodapé. Estude mais e aqui tem uma pista: a
gigantesca capa de células similar a uma pirâmide, localizada no cérebro, foi
descrita em 1874 por um anatomista ucraniano, Vladimir Betz. E o que é que a pintura
de Van Gogh tem a ver com tudo isto? Não pude deixar de perguntar. Faço-lhe
mesmo falta, ouvi-a suspirar, a falta que eu lhe faço. Meu caro, alongou o meu caro, Van Gogh (na
altura paciente mental em St. Remy), dez anos depois, encontrou a forma replicada (da dita ramificada organização celular no cérebro descrita (não desenhada) por Betz) no mundo exterior: passeie aqui no
original. Que me diz, que me pergunta? Se Van Gogh conhecia Betz? Sei eu lá, creio que não.
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