Bom dia melancolia

ip_n_875_1922_11_25_tratada
Ilustração Portuguesa, n.º 875, 25 de Novembro de 1922, p. 559, HML.
Há dias assim, tristonhos, feios, assim, dias morrinha... Veio-me à baila uma curiosa estória do palhaço Felizardo que consegui repescar. Adiante. Ontem comecei o dia a escrever uma carta de amor em papel pardo liso com uma caneta de aparo (dessas, isso mesmo, dessas). Sosseguei a minha alma que, sem razão sabida (creio eu sem certezas), se desassossegara: está tudo bem, ficou tão bonito o primeiro parágrafo da minha carta e achaques ou mazelas (haja Deus, sou neto de Adão e Eva) nada querem comigo, sosseguei-me. Saí de casa, agradeci um cumprimento imprevisto na rua e fui almoçar: línguas de bacalhau com gravanços, um ovo cozido, cebola picada e salsa q.b e um bom vinho tinto maduro. Mesmo em dias tristonhos, feios, assim, posso dizer-me um felizardo. Pena, muita pena, é a enorme distância que vai entre felizardo e feliz.

(Mensagem recebida)
Até que gosto deste seu cumprimento à melancolia, bem pensado, meu caro... Não se apresse, não se apresse na escrita da carta (é para mim, pois não é?), melhor será falar comigo antes: a sua carta terá que ser não só o reflexo verdadeiro do seu cuidado  por mim quanto deverá ser o retrato fiel da minha beleza (exterior e interior)... Que me diz se eu lhe sugerir a leitura de um livro de Giorgio Agamben? Leia o livro todo e demore-se (pensando em mim, só em mim) nas páginas 49, 50 e 51... Não acredito, meu caro, não acredito e não acredito. Garante que sabe quem foi Damáscio? Garante? Mesmo? De verdade? Olhe a minha cara trocista!

Comentários

Mensagens populares